segunda-feira, 3 de agosto de 2020

NO RASTRO DA VERGONHA

PREÂMBULO
Estava procurando, hoje, no google.pl pela correta grafia de alguns sobrenomes polacos que foram adulterados no Brasil  -muitos sendo grafados pelo que ouviam os tabeliães e cartorários brasileiros dos imigrantes analfabetos falarem - encontrei no site polaco focus.pl reportagem em que sou citado a respeito do mau uso da palavra "polaca" no país, termo aliás, que acabou se tornando pejorativo e sendo mudado pela elite curitibana da etnia, em 1927, pelo galicismo que perdura até hoje. O artigo foi escrito e publicado há quase oito anos, no dia 28 de agosto de 2012, pela redação do site, não sendo possível identificar o autor, ou autores:

Cartaz do filme: No rastro da vergonha

"Tylko nie Polaca! Wstydliwa historia Polaków w Ameryce Południowej"

"Só não, Polaca! a Vergonhosa história dos polacos na América do Sul".

Os polacos no Brasil são chamados pelo gentílico "poloneses", como em francês. No entanto, se alguém chama uma mulher de "polaca", ou seja, "Polka", ela pode ficar de cara feia.

Não era por acaso que as prostitutas do Rio de Janeiro, Buenos Aires ou Montevidéu foram chamadas de "polacas" porque realmente elas eram procedentes da Polônia.

O recrutamento delas - embora provavelmente fosse mais preciso definir o procedimento de "leilão" de mulheres para bordéis - ou, o que sempre pareceu, ou seja, algo semelhante a pescar.

Um homem elegante chegava a pequenas cidades de concentração judaica na Galícia austríaca ou no Reino do Congresso da Polônia, contando maravilhas para os pais judeus de moças bonitas. Com histórias fantasiosas e com uma visão de vida melhor para suas filhas em um país distante no exterior. O homem engabelava os pais e a jovem de origem judaica afirmando que se ela o acompanhasse, teria tudo o que ela precisasse para uma vida melhor para sempre do que aquela nos Sztetl (em íidiche cidadezinha).

O homem elegante prometia que a jovem iria limpar a casa de uma senhora rica ou, então, se casaria com um homem rico e iria com ele para a Argentina, Uruguai ou Brasil.

Estas meninas realmente moravam sob uma cabana. Mas, toda aquela conversa de sinagoga era falsa. 

Isabele Vincent, jornalista investigativa canadense, descreveu o caso de Zofia Chamys, de 13 anos, de Varsóvia, identificada pelo cafetão Izaak Buroski. Ele convenceu o pai de que a menina, como assistente de cozinha, na Argentina, ganharia tanto em um mês o quanto na Polônia só receberia em seis meses de trabalho.

Para que tudo acontecesse de acordo com a tradição, Isaac e Zofia se casaram antes de partir.

Beba na água 
“Embora o casamento tenha acontecido às pressas e sem a presença de um líder religioso, não pareceu ser algo ruim para a família Chamys. Na virada dos séculos 19 e 20, essas cerimônias eram normais em shtetls menores e mais pobres, onde muitas vezes não havia rabinos.

"A cerimônia exigia apenas uma testemunha de origem judaica e era geralmente chamada de "stille chuppah" em iídiche - um casamento tranquilo. Na presença de uma testemunha, que no caso de Zofia era sapateira ou alfaiate local, Isaac ofereceu-lhe uma aliança e dinheiro. A testemunha os declarou oficialmente casados. Não está claro o que Isaac deu a Sophia como prova de seu "afeto", mas muitos anos depois a polícia descobriu que esse não tinha sido seu primeiro casamento. E ele sempre fazia o mesmo. Os casamentos rituais não estavam sujeitos à lei civil; portanto, as mulheres não tinham proteção oficial ”, escreve Vincent em seu livro.

A história das meninas seqüestradas continuou a ganhar ritmo. O embarque do navio com destino ao Rio de Janeiro ocorria em Marselha, ponto de contato de cafetões de todo o mundo. Nesta cidade, no Sul da França, havia até um mercado onde as mulheres eram vendidas e compradas, organizadas por cafetões que operavam nos cinco continentes. Um mercado semelhante, de tamanho consideravelmente menor, ficava no Rio de Janeiro, em um dos armazéns da Rua Uruguaiana - o ponto de encontro dos cafetões.

O historiador e jornalista polaco-brasileiro Ulisses Iarochiński em sua "Saga dos Polacos" cita o seguinte relato do período:

"Ao mesmo tempo, o cafetão já tinha mulher em um bordel, mesmo assim continuava a procurar mais, seja por compra ou por casamento. Havia quem possuía cinco esposas e suas filhas, todas trabalhando como prostitutas, ganhando com a prostituição e punindo-as cruelmente quando não conseguiam ganhar dinheiro suficiente. As mulheres - esposas de cafetões e suas dependentes eram enviadas para "casas de aprendizado" quando chegavam ao Rio de Janeiro. Lá, meninas de 8 a 15 dias aprendiam seu "ofício" com cortesãs mais idosas. As rebeldes eram efetivamente dobradas - após esse "curso" e permaneciam obedientes ao cafetões".

A quadrilha que atraía mulheres para a América do Sul operava legalmente como a Sociedade de Ajuda Mútua de Varsóvia. Às vezes, os cafetões a chamavam a sociedade simplesmente de "Varsóvia". Muitos deles falavam polaco, o que os tornava fortemente associados à Polônia. 

Estação de Varsóvia
Em 1880, as forças policiais do império brasileiro conseguiram expulsar 26 cafetões do país. Mais tarde, a organização acabou sendo muito forte. Em 1913, 431 bordéis operavam apenas no Rio de Janeiro, a maioria dos quais era controlada por "residentes de Varsóvia".

Essa atividade foi tolerada por dois motivos: o Brasil, e mais ainda na Argentina, carecia de mulheres europeias; portanto, a demanda por sexo pago era altíssima. Eventualmente, à medida que a organização crescia no poder, ela podia se dar ao luxo de corromper a polícia e funcionários do governo ainda mais altos. Ao longo dos anos, os proxenetas todo-poderosos intimidaram as mulheres a ponto de não ousarem apresentar queixas.

A mencionada Zofia Chamys, depois que seu "marido" a forçou a se prostituir enquanto ainda estava em Marselha, foi à polícia, mas o policial disse a ela para "ouvir o marido" em resposta a uma denúncia de crime. A adolescente Zosia chorava todos os dias e gritava que queria ir para casa.

Buroski finalmente prometeu isso e a levou para o navio. Mas só chegou ao Brasil. Lá, o cafetão arrastou a garota para um bordel no Rio, ordenou que os piores clientes fossem atendidos e a torturou. 

No Brasil, no entanto, Zofia reclamou novamente com a polícia e seu testemunho sobreviveu, e ainda é material histórico.

Sra. Liberman livre
Na ex-colônia portuguesa do Brasil, a atividade da máfia se intensificou após 1913, quando uma lei foi introduzida na Argentina contra traficantes e cafetões. Naquela época, cerca de 2.000 cafetões e suas acusações, principalmente judias polacas e russas se mudaram para o Rio de Janeiro.

Na Argentina, uma mulher chamada Rachel Liberman se tornou um símbolo da luta contra a máfia que comercializava seres humanos. Em 1921, junto com seus dois filhos, ela partiu para a Argentina para morar com o marido, que havia se mudado para a vizinhança de Buenos Aires, um ano antes. 

Aconteceu que o homem estava em estado terminal e morreu. Para sustentar os filhos, Rachel foi para Buenos Aires, mas como ela não conseguia encontrar um emprego bem remunerado, rapidamente caiu na armadilha dos cafetões. Ela trabalhou como prostituta por alguns anos. Depois decidiu que queria sair das mãos dos "cuidadores".

Rachel abriu uma loja de antiguidades e estava indo bem. Os cafetões não gostaram disso. Continuaram a atormentar para voltar a se prostituir. Invadiram sua loja, extorquiram e finalmente exigiram que ela voltasse para a casa de putas.

Rachel deu um testemunho à polícia que acabou abrindo uma investigação sobre o seu caso. A Sociedade "Varsóvia" decidiu então agir com bondade: em troca dela retirar seu testemunho, ela foi tentada pela promessa do casamento. Mais tarde, descobriu-se que, como em outros casos, a sinagoga era falsa e o noivo era cafetão.

Liberman se sentiu vulnerável em relação à gangue todo-poderosa e pelo menos mais uma vez voltou à prostituição. Eventualmente, quando foi lhe revelado que ela não seria capaz de recuperar o dinheiro que seus cafetões haviam tirado, ela voltou a testemunhar.

O caso teria terminado em nada se não tivesse sido levado a Julio Alsogaray, o inspetor de polícia incorruptível que estava interessado naqueles traficantes há muito tempo. O testemunho de Liberman levou a um julgamento maciço no qual 108 pessoas foram condenadas.

No entanto, apenas três pessoas cumpriram sentenças mais longas - os proxenetas tinham conexões tão altas que muitas delas foram perdoadas, o que causou grande indignação. Graças ao testemunho de Liberman, a imprensa argentina publicou os nomes dos cafetões, bem como os termos que eles usavam, por exemplo, eles chamavam garotas bonitas de "artes da seda" e os menos bonitos "sacos de batatas". 

Provavelmente o julgamento foi possível, porque, como resultado do golpe, o general José Félix Uriburu, um homem de visões extremamente puritanas, se tornou presidente. Graças a ele, a polícia parou de brincar com a gangue de traficantes do sexo feminino.

Polônia não é pior
Até as autoridades polacas acossaram essa quadrilha. Em 1928, o embaixador da Polônia, em Buenos Aires, forçou a máfia a remover a palavra "Varsóvia" do nome. A partir de então, a quadrilha passou a se chamar oficialmente Sociedade de Ajuda Mútua Zvi Migdal - em homenagem a um de seus fundadores.

Em 1931, os polacos prepararam um relatório para a Liga das Nações sobre o tráfico de mulheres da Europa Central e Oriental, que continha 500 nomes de cafetões envolvidos no processo de transporte de mulheres para a América do Sul.

Nem todos eles eram judeus (embora fossem maioria), a antiga "Varsóvia" se tornou cada vez mais internacional com o tempo. Zvi Migdal, embora enfraquecida, sobreviveu até a Segunda Guerra Mundial.

Ela deixou de existir por razões óbvias: após o Holocausto, os shtetls na Europa Central e Oriental desapareceram, que eram os lugares de onde os cafetões tiravam as meninas inocentes. A comunidade judaica tentou se isolar das atividades vergonhosas de seus irmãos. As pessoas comuns e honestas eram fracas demais para se opor a "Varsóvia".

Há muito tempo se debate entre judeus na Argentina e no Brasil se o dinheiro podia ser retirado da máfia. No final, foi decidido que não, embora grandes somas fossem frequentemente usadas, por exemplo, para a construção de um teatro judeu em Buenos Aires. Com o tempo, os emigrantes judeus ficaram tão preocupados com o péssimo estereótipo (os policiais consideravam todo judeu com sobrenome polaco ou russo uma espinha ou um anarquista) que se separaram completamente dos comerciantes.

Ficou proibido a cafetões e prostitutas entrarem nas sinagogas, mesmo as mulheres incapacitadas não eram consideradas vítimas. A comunidade negou às prostitutas um enterro decente, então elas compraram um pedaço de terra em Inhaúma (bairro na zona Norte do Rio de Janeiro) e criaram um cemitério lá só para elas.

Elas mesmos realizaram as cerimônias de limpeza simbólica do corpo e da alma de suas "irmãs" falecidas, repetindo a fórmula sobre o cadáver: "Você é puro, puro, puro".

No entanto, a memória da participação de judeus polacos e russos no tráfico de mulheres não deveria ser apagada. Pelo menos uma dúzia de roteiros de filmes sobre a história da Sociedade "Varsóvia" foram criados, mas nenhum deles foi realizado (geralmente após a intervenção de produtores de origem judaica).

Isabel Vincent menciona que encontrou uma conspiração de silêncio. Ainda há vergonha para essas mulheres. Quando finalmente encontrei o rastro de uma das prostitutas e encontrei seus parentes, ninguém queria falar comigo. Eu estava recebendo sinais da comunidade judaica para não mostrar essa desgraça.

"Mas quando o livro foi publicado no Canadá em novembro de 2005, a Comunidade Judaica Canadense me concedeu um prestigioso prêmio de história”, diz Vincent.

Por outro lado, deve-se enfatizar que nem os italianos nem os franceses - duas nações que também estavam envolvidas no tráfico de mulheres (as prostitutas francesas eram consideradas as mais exclusivas) - não acertaram as contas com seus bandidos nativos.

Estereótipo versus orgulho
No entanto, os polacos foram os que mais sofreram com a lenda de "polacas" - por causa desse termo. Vincent também tenta colocar a culpa nos polacos e afirma que as mulheres caíram na armadilha dos cafetões, fugindo da pobreza e do antissemitismo. Esse é um argumento infeliz, já que as mulheres judias deportadas para o Novo Mundo geralmente não conheciam outro meio de sobreviver do que aquele, das judias polacas no Brasil ou na Argentina, pois os próprios judeus - assim considerados, pois eram também polacos, encontravam intolerância.

Ulisses Iarochiński afirma que as pessoas no Brasil acreditavam facilmente na imoralidade  das mulheres polacas, porque elas eram muito diferentes das crioulas, mestiças e outras. Os brasileiros ficavam chocados com a independência e a força das polacas, acreditavam que elas tinham uma natureza mais "liberada".

"Toda a passagem das Polaquinhas pelas ruas e casas das famílias de Curitiba [Curitiba: uma cidade no Sul do Brasil - ed. ed.] era observada de perto e despertava muitas conjecturas. Presa em seu atavismo rural, a polaca sempre se mostrava uma moça rebelde, causando agitada e impulsividade na multidão local. Não havia baile em que ela não aparecesse, machucando corações. Grupos de admiradores brigavam por seus favores, muitas vezes pagando pela ousadia em bolinar uma polaca, com o nariz quebrado "- este trecho estava escrito em "A República", jornal do Rio de Janeiro, de 21 de maio de 1908.

Nas proximidades de Curitiba, as mulheres polacas eram carroceiras - elas próprias entregavam suas mercadorias - fruto de suas hortas - no mercado local no centro da cidade. Tal atrevimento da polaca em trabalhar enquanto seus maridos e pais cultivavam a terra, causou grande espanto e indignação na sociedade curitibana tradicional e, como resultado, as vendedoras de verduras polacas foram sentenciadas como sendo de conduta imoral. “O preconceito vazava de maneira desrespeitosa do ponto de vista moral, e mais, de acordo com uma bastante visão racista em relação àquela gente loira de olhos azuis".

Era como se você quisesse dizer (e realmente era dito) que a infiel polaca, mesmo antes de se casar, era igual às negras, escreve Iarochiński.

Ele até encontrou registros de cem anos atrás, segundo os quais mulheres polacas cooperavam em massa com os soldados. "Este é um dos fenômenos mais incomuns de se ver: uma conexão, uma aliança amigável e não forçada entre nossos soldados, muitas mulheres jovens polacas de cabelos louros ou escuros, que chegavam à cidade para ganhar dinheiro com as vendas das verduras e ovos, e deixavam seus noivos trabalhando na colônia", escreveu um documentarista desconhecido.

Em defesa da honra
Os dissimuladores "etnicamente polacos" existiam, sem dúvida, apenas que seu número não era significativo em comparação com os representantes de outras nações da profissão mais antiga do mundo na Argentina ou no Brasil.

Na década de 1950, os estereótipos antipolacos enfureceram Edwin Tempski, médico polaco-brasileiro e deputado ao parlamento estadual. Decidiu realizar pesquisas estatísticas em prisões e bordéis do Paraná. Em todo o Estado, ele encontrou que os polacos correspondiam ​​a aproximadamente 10% população e que entre criminosos e prostitutas, a porcentagem de mulheres polacas não excedia 3%. da população total do Estado.

Tempski teve ridicularizada suas obras por expor a incompetência de historiadores que escreveram sobre o problema das "prostitutas polacas".

No entanto, a diáspora polaca no Brasil ainda precisa lidar com o estereótipo prejudicial da "prostituta polaca", na verdade polaca de origem judaica.

Deve-se admitir que o Brasil de hoje é extremamente politicamente correto, também em relação aos  compatriotas polacos.

Quando o livro "Jovens Polacas", de Ester Largman, autora baiana de origem polaco-judaica, apareceu no mercado de livros, ele imediatamente foi retirado das livrarias no Sul do Brasil. Ulisses Iarochiński acusou a autora de tentar "compartilhar a desgraça", e ele próprio, ao contrário de outros brasileiros de origem polaca, acredita que é necessário abandonar os termos franceses como "poloneses" e retornar às antigas palavras "polaco-polaca".

Viajando para lançar pelo sul do país seu livro "Saga dos Polacos" (no título "Saga dos Polaków") - ele  foi agredido algumas vezes, justo por usar o termo polaco, e não o instituído "polonês" preconceituoso.  Mas ele acredita firmemente que essa palavra ainda recuperará sua devida honra.

Fonte: Focus.pl
Tradução e adaptação do polaco para português: Ulisses Iarochinski











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