quinta-feira, 8 de setembro de 2022

Parada de ônibus "Jovem Noiva de Cracóvia",
quadro de Piotr Stachiewicz, reprodução de Sylwester Stabryła
Foto: Barbara Gortat

Se você estiver viajando de ônibus pela região central da Polônia, poderá ter uma surpresa agradável. Treze pontos de ônibus em pequenas vilas próximas da cidade de Łódź foram embelezadas com incríveis murais de pinturas polacas clássicas. 

Estes chamados "Pontos de ônibus folclóricos" criaram uma galeria ao ar livre única, que traz a arte para as áreas rurais e constitui uma atração turística estupenda.

SÍMBOLOS DO CAMPO

"Verão Indiano", quadro de Józef Chelmoński,
reprodução de de Sylwester  Stabryła
Foto: Barbara Gortat

O ponto de ônibus desempenha um papel vital na vida das pequenas vilas polacas. Muitas vezes, é um dos poucos lugares disponíveis ao público e um ponto de concentração para a comunidade local. É também uma porta de entrada simbólica para o mundo mais amplo que se encontra além da cidadezinha.

Em 2015, Barbara Gortat, natural de Nowy Pudłów – uma pequena vila perto da cidade de Łódź, na Polônia – teve ideia de como preservar o ponto de ônibus local em ruínas. Ela o renovou e pediu ao premiado pintor Sylwester Stabryła que o enfeitasse com uma reprodução da famosa pintura polaca do século XIX "Babie Lato" (verão indiano) de Józef Chełmoński. Todo o projeto foi coordenado pela Fundação Tu Brzoza (Aqui Bétula), que visa facilitar o desenvolvimento social, cultural, artístico e ecológico.

Desde então, graças à fundação, doze outras paradas de ônibus feitas de tijolos nas proximidades de Nowy Pudłów foram embelezadas com murais impressionantes. Estes pontos constituem uma galeria exterior única. Eles exibem principalmente reproduções de pinturas clássicas polacas. Três deles são adornados com obras de arte originais. Os murais desta galeria estão ligados às tradições rurais e ao folclore. Gortat explica:

"O motivo principal da nossa galeria é significativo – as obras reproduzidas ou originalmente criadas estão enraizadas […] em símbolos do campo: o trabalho agrícola, o amor pela natureza e as tradições locais desvanecidas".

PRIMAVERA, CEGONHAS E GIRASSÓIS

"Primavera" de Jacek Malczewski,
reprodução de Sylwester Stabryła,
Foto: Barbara Gortat

As reproduções dos pontos de ônibus nem sempre são cópias exatas de seus originais. Em alguns casos, são adaptados às construções de tijolos e às vezes exibem – em certa medida – os estilos de seus criadores, que são quatro.

Como mencionado anteriormente, Sylwester Stabryła pintou a primeira reprodução da série retratando o Verão Indiano. Este célebre quadro foi originalmente criado, em 1875, pelo aclamado pintor realista Józef Chełmoński (1849-1914). Magdalena Wróblewska o descreve assim:

"Sob um céu nublado, uma garota descalça vestindo uma saia e camisa branca está deitada no chão pardo, brincando com um fio de teia na mão erguida."

Em 2018, Stabryła foi o autor de mais duas reproduções para a Fundação Aqui Bétula. Criou um mural mostrando Panna Młoda w Stroju Krakowskim (Jovem Noiva em Vestido de Cracóvia) de Piotr Stachiewicz para o ponto de ônibus em Busina. O pintor viveu de 1858 a 1938 e é especialmente valorizado por seus retratos de mulheres vestidas com trajes folclóricos tradicionais de Cracóvia.

Como o próprio título indica, Jovem Noiva em Vestido de Cracóvia é um desses retratos. Infelizmente, a data de criação desta pintura encantadora é difícil de determinar. O outro mural de ponto de ônibus de Stabryła, de 2018, foi pintado em Anusin. A obra mostra o trabalho de 1900 de Jacek Malczewski "Wiosna" (Primavera). Malczewski, que viveu de 1854 a 1929, foi um dos pintores simbolistas mais importantes da Polônia. Sua magistral "Primavera" mostra uma representação alegórica da temporada como mulher:

"Enérgica, sorridente e gorda – toda a sua pessoa evoca a vitalidade da Primavera."


"Colheita"de Włodzimierz Przerwa-Tetmajer,
reprodução de Natalia Grala,
Foto: Fundacja Tu Brzoza

Duas reproduções para "Pontos de ônibus folclóricos" também foram de autoria, em 2018, de Natalia Grala, uma pintora e artista de vitral da vila de Maksymilianów, perto de Łódź.

Em "Wólka", ela criou um mural mostrando "Żniwa" (Colheita) do pintor modernista Włodzimierz Przerwa-Tetmajer (1861-1923). Nesta tela, de 1902, o artista parece traçar um paralelo entre o poder vivificante da mulher segurando um bebê na frente e o poder nutridor da terra que produz colheitas. O outro mural de Grala, de 2018, foi pintado em um ponto de ônibus em Feliksów e apresenta "Ojczyzna" (Pátria) de Jacek Malczewski. Este belo trabalho mostra uma mulher e duas crianças com um prado florido ao fundo:

"A mulher na pintura de Jacek Malczewski é uma personificação da Polônia – uma mãe aflita procurando um lugar feliz no mundo para ela e seus filhos. […] A peça foi escrita, em 1903, quando a Polônia – dividida entre as três potências ocupantes – não figurava no mapa da Europa."

Stabryła embelezou mais três paradas de ônibus com reproduções, em 2020. Em Chropy, ele criou um mural mostrando "Na Pastwisku" (O pasto), de 1875, de Stanisław Witkiewicz, pintor realista e teórico da arte que viveu de 1851 a 1915.

Piotr Policht em sua descrição deste quadro escreve que ela mostra "uma jovem pastora descansando em um campo [rochoso] sob um céu pesado e de chumbo, voltando-se ternamente para uma de suas ovelhas".

Outro mural, de 2020, de Stabryła apareceu em Sędów, onde o ponto de ônibus local foi adornado com uma reprodução de "Kobieta z Kurą" de Julian Fałat (Mulher com uma galinha).

Julian Fałat (1853-1929) é mais lembrado como um pintor de paisagens, mas na década, de 1880, fez vários trabalhos mostrando a vida dos camponeses. "Mulher com uma galinha", por volta de 1885, parece ser uma dessas obras. Pois é um retrato maravilhoso de uma jovem segurando ternamente uma galinha fêmea.

Também, em 2020, Stabryła ornamentou o ponto de ônibus em Jeżew com dois murais mostrando pastéis do pintor e dramaturgo modernista Stanisław Wyspiański (1869-1907) o maior gênio mundial de seu tempo. Um deles é uma reprodução de "Słoneczniki" (Girassóis), de 1895.

Representação maravilhosa das flores criada como um desenho policromado para a Igreja Franciscana de Cracóvia, que foi decorada por Wyspiański.

"Quintal Rural" de Tadeusz Makowski,
reprodução de Olga Pelipas,
Foto: Barbara Gortat

O outro mural, em Jeżew, apresenta "Portret Józia Feldmana" (Retrato de Józio Feldman), de 1905, uma deliciosa imagem do filho do amigo de Wyspiański, o crítico literário e dramaturgo Wilhelm Feldman. Neste ponto, pode-se acrescentar que esta reprodução é a única da coleção "Pontos de ônibus folclóricos" cuja ligação original com o campo parece pouco clara (não que isso deva ser um problema).

Outra reprodução de 2020 para a Fundação Aqui Bétula foi criada por Olga Pelipas, formada pela Academia Estatal de Design e Artes de Karków. No ponto de ônibus em Drużbin, ela pintou um mural representando "Wiejskie Podwórko" (Quintal Rural) do pintor Tadeusz Makowski, que viveu, entre 1882 e 1932. O "Quintal Rural" foi originalmente pintado, em 1928, e nele pode-se ver uma criança parecida com uma boneca de pé ao lado de aves de fazenda.


"1928, um ano que foi um marco na carreira do artista, Makowski chegou a um estilo altamente individual de retratar seus temas, único no contexto da arte europeia. As formas generalizadas eram agora cercadas por linhas de contorno que as tornavam geométricas."


O ano de 2020, também viu a criação de uma reprodução de "Pontos de ônibus folclóricos" por Marcin Jaszczak, graduado da Academia de Belas Artes de Łódź. Seu mural apresentando "Bociany" (Cegonhas), de 1900, obra de Józef Chełmoński foi pintado em Brudnów. A magnífica "Cegonha" é descrita no site do Museu Nacional de Varsóvia:

"Uma vista primaveril do campo polaco […], ao meio-dia. Durante a pausa para o almoço, um lavrador e seu filho admiram uma multidão de cegonhas no céu."

UM BANQUETE PARA OS OLHOS

Quadro de Natalia Grala
Foto: Barbara Gortat

Três dos pontos de ônibus folclóricos foram adornados com obras de arte originais. A primeira deste trio, o ponto em Pudłówek, foi decorada por Natalia Grala, em 2016.

Dentro da construção de tijolos, ela pintou um mural mostrando dois homens vestidos com trajes folclóricos característicos da região de Sieradz, cidade nos arredores de Pudłówek. As paredes externas da parada foram embelezadas com padrões coloridos que remetem aos tradicionais "Wicinanki" (recortes de papel)  Sieradz. Curiosamente, usando a técnica do vitral, Grala estendeu esses padrões sobre as janelas do batente. Graças a Grala, o ponto de ônibus em Pudłówek tornou-se uma verdadeira festa para os olhos.

Um ano depois, Sylwester Stabryła criou um mural autoral para a fundação em Góra Bałdrzychowska. Ele embelezou o ponto de ônibus com uma cena intrigante inspirada em "Chłopi" (Os Camponeses), romance do vencedor do Prêmio Nobel de Literatura, o polaco Władysław Reymont (1867-1925).

"Os Camponeses", publicado em fascículos na imprensa nos anos 1900, retrata de forma cativante a vida de uma comunidade rural localizada nas proximidades de Łódź ao longo de um ano inteiro.

O terceiro ponto de ônibus embelezado com arte original está em Rudniki. Em 2020, um mural fmostrando um "rusałka" ou uma bruxa da mitologia eslava apareceu naquela vila. Barbara Gortat comentou assim sua obra:

"Em Rudniki, Marcin Jaszczak pintou uma impressão contemporânea – um belo retrato de uma menina com uma coroa de flores na cabeça, referenciando motivos que aparecem em nossa galeria […] e em suas obras, que incluem muitos espíritos da floresta, uma ninfa e rusałka; o ponto de ônibus local foi agraciado pelo Rudniki Rusałka."

UMA LINDA TRILHA

"Rudniki Rusałka" de Marcin Jaszczak, 
Foto: Barbara Gortat

Todas as paradas de ônibus transformadas pela Fundação Aqui Bétula ainda estão  vivas. Graças aos murais de Stabryła, Grala, Pelipas e Jaszczak, as pessoas que chegam a estes pontos são colocadas diante de exposições em homenagem à arte célebre. Isso é especialmente valioso em uma área rural onde o acesso físico à arte é limitado pelo afastamento dos museus.

Os habitantes das vilas onde estão localizadas os pontos gostam muito e acham as obras muito agradáveis. Em uma reportagem de TV, de 2020, sobre seu projeto  Agnieszka Gortat, moradora de Chropy, disse o seguinte sobre seu mural local:

"A parada é muito bonita, quem passa por lá pára e tira uma linda fotografia porque não tinha visto estas obras no campo, é claro!"

No entanto, os referidos murais são uma atração não só para os transeuntes e habitantes locais. Eles também atraem turistas, por exemplo, de Łódź. Ao que parece, os passeios turísticos de bicicleta ao longo do trilho dos "Pontos de ônibus Folclóricos", que se estendem por cerca de 50 quilômetros, tornaram-se uma forma popular de os apreciar.

Para facilitar a visita aos pontos de ônibus populares, a fundação preparou um mapa especial no Google Maps que mostra todas as suas localizações. Você pode encontrá-lo aqui.

A BELEZA DO CAMPO

"O Pasto" de de Stanisław Witkiewicz,
reprodução de Sylwester Stabryła,
Foto: Barbara Gortat

A Fundação Aqui Bétula fez uma pequena pausa na criação de novos murais aos pontos de ônibus populares, mas dois serão criados este ano - permitindo que esta incrível galeria ao ar livre continue a crescer!

Para encerrar, há ainda um projeto um pouco semelhante, que foi realizado em Czarny Las. Em 2019, seis pontos de ônibus nesta vila – perto de Varsóvia – foram agraciados com reproduções impressas de pinturas de Józef Chełmoński

Vale acrescentar que este artista vivia e trabalhava na cidadezinha vizinha de Kuklówka Zarzeczna. Nas paradas de ônibus Czarny Las mencionadas, pode-se admirar cópias em grande formato de obras como "Kaczeńce" (Cravos de defunto), "Wiosna" (Primavera) ou "Polna Droga" (Estrada de chão).

Andar de ônibus pelas vilas polacas pode ser uma aventura bastante agradável. Os passageiros podem não só contemplar a beleza do campo, mas também encontrar fabulosas obras de arte!

Texto: Marek Kępa
Tradução: Ulisses Iarochinski


segunda-feira, 5 de setembro de 2022

GOVERNO DA POLÔNIA QUER 1,3 DE EUROS DE REPARAÇÃO

Varsóvia completamente destruída pelos alemães,
enquanto russos e ucranianos assistiam do outro lado do rio Vístula

Governo da Polônia quer 1,3 trilhão de Euros da Alemanha pela ocupação nazista
O anúncio foi feito nesta quinta-feira (01/09) pelo vice-primeiro-ministro polaco, Jarosław Kaczyński, do Partido Direito e Justiça (PiS), no dia em que se completam 83 anos do início da invasão da Polônia pelos alemães nazistas.

Kaczyński fez a declaração no lançamento de um relatório há muito esperado sobre o custo para o país dos anos da ocupação alemã nazista. Por cinco anos, uma equipe de cerca de 30 economistas, historiadores e outros especialistas trabalhou no documento.

"Não apenas preparamos o relatório, mas também tomamos a decisão sobre os próximos passos. Vamos pedir à Alemanha para abrir negociações sobre as indenizações", disse Kaczyński, admitindo que será "um longo e difícil caminho", mas que está otimista.

O governo polaco argumenta que o país foi a primeira vítima da guerra e nunca foi totalmente compensado pela vizinha Alemanha, que é, agora, um dos seus principais parceiros na União Europeia.

Segundo Kaczyński, é uma soma com a qual a economia alemã pode "lidar perfeitamente". Ele ressaltou que dezenas de países em todo o mundo receberam compensação da Alemanha e que "não há razão para que a Polônia fique isenta dessa regra".

"Os alemães invadiram a Polônia e nos causaram enormes danos. A ocupação foi incrivelmente criminosa, incrivelmente cruel e teve repercussões que em muitos casos continuam até hoje", disse Kaczyński. Durante a cerimônia, o presidente polaco, Andrzej Duda, afirmou que a Segunda Guerra Mundial foi "uma das tragédias mais terríveis da nossa história".

O governo federal alemão não vê nenhuma base legal para o pedido de reparação da Polônia. Berlim argumenta que a então liderança comunista polaca renunciou às reparações alemãs em 1953.

"A posição do governo federal permanece inalterada, a questão das reparações foi esclarecida", escreveu um porta-voz do Ministério das Relações Exteriores em e-mail obtido pela agência de notícias Reuters.

"Há muito tempo, em 1953, a Polônia renunciou a outras reparações e confirmou essa renúncia várias vezes. Esta é uma pedra angular da ordem europeia de hoje. A Alemanha mantém sua responsabilidade política e moral pela Segunda Guerra Mundial", continua o e-mail.

O governo da Polônia, no que lhe concerne, rejeita a declaração de 1953, feita pelos então líderes comunistas do país sob pressão da União Soviética.

Berlim também justifica que todas as reivindicações relativas a crimes alemães na Segunda Guerra Mundial perderam a validade, o mais tardar, com a assinatura do Tratado Dois-Mais-Quatro, em 1990, o qual vale como "ponto final na questão da reparação".

O tratado foi assinado pela República Federal da Alemanha, a República Democrática Alemã e as quatro potências que ocuparam a Alemanha desde o fim da Segunda Guerra Mundial: Estados Unidos, França, Grã-Bretanha e União Soviética e foi a base para a reunificação alemã.

O responsável do governo da Alemanha para a cooperação teuto-polaca, Dietmar Nietan, disse, em comunicado, que a data de início da Segunda Guerra Mundial "continua a ser um dia de culpa e vergonha para a Alemanha", e trata-se do "capítulo mais sombrio" da história do país.

CRÍTICAS DA OPOSIÇÃO POLACA

Antes da apresentação do relatório, o líder da oposição polaca e ex-presidente do Conselho da União Europeia (UE), Donald Tusk, criticou o projeto. Para ele, o PiS não está preocupado com o pagamento de indenizações, mas com uma campanha política doméstica.

"O líder do PiS, Jarosław Kaczyński, não esconde que quer construir apoio ao partido no poder com esta campanha anti-alemã", disse.

O deputado da oposição Grzegorz Schetyna também considera que o relatório é apenas um "jogo na política interna", argumentando que o seu país precisa "construir boas relações com Berlim".

Em 1º de setembro de 1939, a Alemanha nazista invadiu a Polônia. Dos cerca de 35 milhões de habitantes do país na época, cerca de 6 milhões foram mortos - entre eles cerca de 2,7 milhões de polacos de origem judaica.

A capital, Varsóvia, foi praticamente toda arrasada, grande parte do país foi saqueada e destruída.

P.S. E Jarosław Kaczyński não vai pedir indenização à Rússia e a Ucrânia? Os dois países também causaram muitos prejuízos humanos e materiais à Polônia.

Fontes: (DPA, AFP, Reuters, Lusa, ots)