terça-feira, 11 de julho de 2023

Lembrando o Massacre da Volínia 1943

Um passado difícil tem complicado a estada dos refugiados ucranianos na Polônia.

Memórias polacas de "pogroms" étnicos causados por bandoleiros ucranianos, na década de 1940, chocam-se com o trauma  da invasão russa na Ucrânia.

Ryszard Marcinkowski, filho de sobreviventes da Volínia
Foto: Maciek Nabrdalik

Em um vilarejo rural com menos de 500 moradores, os estranhos se destacam. Até mesmo Anna Osinska, uma senhora de 93 anos, portadora de deficiência visual, percebeu quando pessoas, que ela não reconhecia – refugiados da guerra na Ucrânia – começaram a aparecer na rua estreita do lado de fora da janela de sua cozinha.

Osinska sentiu pena dos ucranianos e ficou feliz por seu país estar fazendo o possível para ajudá-los. Ela também lutou com emoções menos caridosas.

"Graças a Deus não sinto nenhuma necessidade de vingança", disse Osinska, lembrando como, em 1943, ela fugiu de sua casa de infância em antigas terras polacas no leste da Polônia (entregues por Stalin a Ucrânia, em 1946) depois que nacionalistas ucranianos atacaram a vila de sua família, massacrando a maior parte de seus 160 habitantes.

Os assassinatos em Niemylnia, a vila onde ela nasceu, não existe mais, mas fizeram parte de eventos horríveis que a Ucrânia chama de "Tragédia de Volínia", e que a Polônia chamda pelo que realmente foi, "Genocídio na Volínia". Nesses "pogroms" étnicos de bandoleiros ucranianos, mais de 60.000 polacos, muitos deles mulheres e crianças, foram assassinados sem piedade.

Anna Osinska, 93, fugiu de militantes ucranianos através de campos de trigo
perto da casa de sua família, em Niemila, em 1943.
Foto: Maciek Nabrdalik

Ligados pela hostilidade compartilhada em relação às ambições imperiais da Rússia e à determinação de resistir ao ataque militar ordenado pelo presidente Vladimir V. Putin, a Polônia e a Ucrânia também compartilham passados ​​dolorosamente emaranhados. A carnificina de 1943 tem sido uma fonte de tensão há décadas, mas agora é um episódio de importância urgente, enquanto a Polônia lembra os 80 anos neste 11 de julho.

A Polônia se irrita com a glorificação da Ucrânia aos assassinos do tempo de guerra responsáveis ​​pelo Massacre, mas, cautelosa em dar conforto à visão da Rússia da Ucrânia como um ninho de fascistas sedentos de sangue, ela pediu “reconciliação e perdão”, o tema de um culto na semana passada em uma Catedral de Varsóvia teve a presença de padres da Polônia e da Ucrânia. No domingo, o presidente Andrzej Duda, da Polônia, e o presidente Volodymyr Zelensky, da Ucrânia, visitaram uma igreja em Luck, no atual oeste da Ucrânia, para lembrar o massacre. Os gabinetes presidenciais de Duda e Zelensky postaram no Twitter fotos da cerimônia, usando a mesma linguagem para homenagear as vítimas.

A Sra. Osinska, que foi reassentada, quando adolescente, após a Segunda Guerra Mundial ,no sudoeste da Polônia, junto com dezenas de milhares de outros refugiados polacos da Ucrânia, cresceu em uma comunidade traumatizada pelos massacres de 1943 e fervendo de ódio contra os ucranianos.

Ela ainda se ressente “que eles não demonstrem remorso” e não esqueceu os gritos frenéticos de “mate os polacos, mate os polacos” que ecoaram em sua vila natal, quando ela tinha 13 anos.

Acompanhada, em maio, por seu filho e polacos idosos que viveram o mesmo trauma, ela colocou flores em um memorial de mármore com a inscrição: “Não esqueceremos nossos parentes assassinados por bandoleiros ucranianos durante a guerra “porque eram poloacos”.

Enquanto os ucranianos “fizeram coisas terríveis conosco”, disse Osinska durante uma entrevista, em sua cozinha, no vilarejo de Slupice, os descendentes “não podem ser culpados pelo que seus pais e avós fizeram” e merecem ajuda em sua luta contra a Rússia.

“Minhas opiniões sobre os ucranianos”, disse ela, “mudaram lentamente”.

Um projeto de arquivo polaco-ucraniano em Wrocław, na Polônia, compara desenhos feitos por crianças polacas, em 1946, com desenhos contemporâneos feitos por crianças ucranianas que vivem a guerra agora.
Foto: Maciek Nabrdalik

Sua mudança de opinião, embora limitada por um trauma pessoal,
destaca como a Rússia lutou para derrotar a Ucrânia
não apenas no campo de batalha,
mas em um de seus campos de combate favoritos e mais vantajosos
- as guerras de memória.
Esse é um conflito que está acostumado a vencer
por causa dos milhões de russos que morreram 
lutando contra a Alemanha nazista.

Moscou iniciou sua invasão em grande escala da Ucrânia, em fevereiro de 2022, com um arsenal bem abastecido com história, grande parte dela adulterada por Putin, mas parte verdadeira - incluindo relatos horríveis dos massacres de Volínia realizados por seguidores de Stepan Bandera, o líder de uma facção particularmente brutal da Organização dos Nacionalistas Ucranianos.

Funcionários e historiadores polacos expressaram frustração com o que vêem como a recusa da Ucrânia em reconhecer e expiar totalmente os pecados de militantes nacionalistas leais a Bandera, que foi assassinado por agentes soviéticos, em 1959. Ele é reverenciado por muitos ucranianos, hoje, como um herói nacional - ou festejado, alegremente, como uma curiosidade folclórica inofensiva. Ele é com justa razão, na Polônia, e também na Rússia, como fascista e colaborador nazista.

Łukasz Jasina, porta-voz do ministro das Relações Exteriores da Polônia, disse a um jornal polonês em maio que, embora Zelensky “tenha muitas outras coisas em mente no momento”, a Ucrânia precisava se desculpar pelos massacres de 1943, que ele descreveu como “uma questão tão importante que deve ser tratado.”

Em vez de um pedido de desculpas, a Polônia recebeu uma repreensão irritada do embaixador da Ucrânia em Varsóvia, Vasyl Zvarych. Em uma postagem no Twitter que posteriormente apagou, o embaixador rejeitou o que chamou de demandas “inaceitáveis ​​e infelizes”, dizendo que os ucranianos “lembram da história e pedem respeito e equilíbrio nas declarações, especialmente na difícil realidade da agressão russa genocida”.


O presidente Andrzej Duda, da Polônia, falando no ano passado, em Varsóvia,
em uma cerimônia no Dia Nacional em Memória das vítimas do genocídio
Foto: Pawel Supernak/EPA

Apesar desses atritos no passado, os esforços de Putin para usar a história, ou pelo menos uma versão altamente seletiva dela, para destruir a Ucrânia em nome da "desnazificação" foram minados por memórias rivais e muitas vezes mais fortes da própria Rússia. ações passadas.

Nacionalistas ucranianos, disse Damian Markowski, um historiador polaco e autor de "The Shadow of Volhynia" (A Sombra de Volínia), um livro a ser lançado, sobre os massacres de 1943, cometeram "crimes horríveis" durante a Segunda Guerra Mundial contra os polacos que viviam em sua terras, mas que atualmente são território da Ucrânia, cenário de combates sangrentos entre nazistas e soldados soviéticos.

Mas, acrescentou Markowski, os assassinatos de polacos, em 1943, simplesmente, por serem polacos foram um crime também pela polícia secreta de Moscou, que foi pioneira em assassinatos baseados em etnia durante o Grande Terror de Stalin de 1937 a 1938, com uma campanha de “liquidação total” visando polacos rotulados falsamente como espiões. Algumas vítimas foram selecionadas em listas telefônicas por causa de seus nomes que soarem polacos. Mais de 120.000 polacos foram mortos.

Os assassinos de Stalin então assassinaram mais de 22.000 polacos, em 1940, despejando seus corpos na floresta de Katyń, uma atrocidade sobre a qual Moscou mentiu por décadas e reconheceu apenas, em 1990.

Inspirados pelos exemplos soviéticos e posteriormente nazistas de matança étnica, disse Markowski, os bandoleiros ucranianos na década de 1940 “perceberam que era possível eliminar pessoas de outras nacionalidades”.

O esforço para limpar Volínia de polacos étnicos, que os ucranianos viam como uma pré-condição essencial para o estabelecimento de um Estado independente, atingiu seu auge no domingo, 11 de julho de 1943, quando o Exército Insurgente Ucraniano lançou ataque coordenado a 90 cidades e vilas polacas, matando cerca de 11.000 pessoas em um único dia. O dia foi escolhido, segundo Markowski, porque “eles sabiam que muitas pessoas estariam na igreja”.

Marcinkowski, sobrinho de Osinska, visitou o vilarejo da tia muitas vezes,
desde o colapso da União Soviética para cuidar de sepulturas em Niemylnia,
e erguer cruzes, em memória dos mortos.
Foto: Maciek Nabrdalik

A vila da Sra. Osinska foi atacada algumas semanas antes, em 27 de maio. Ela se lembra vividamente da noite de luar. Cães de repente começaram a latir, e seu pai, temendo um ataque de militantes ucranianos após o assassinato e mutilação alguns dias antes de um amigo, levou a família para um campo próximo para se abrigar.

Ela se lembra de ter rasgado o vestido enquanto rastejava no meio do trigo – e os vizinhos gritando enquanto os ucranianos atacavam. “Eles queriam matar todos nós”, disse ela, “só porque éramos polacos”.

Quando ela e sua família retornaram brevemente no dia seguinte, descobriram que a vila havia sido incendiada e estava repleta de corpos de amigos e parentes. “Lembro-me de uma tia, com a cabeça aberta com insetos pretos rastejando em seu rosto”, lembrou ela.

Com sua casa incinerada e seu vilarejo cheio de bandos de saqueadores de ucranianos e seus ajudantes alemães nazistas, a Sra. Osinska e sua família fugiram a pé e depois de trem. Eles finalmente chegaram a Varsóvia quando a guerra estava chegando ao fim. De lá, eles foram enviados para a cidade de Wrocław, no sudoeste, que havia sido reconquistada pela Polônia.

"Todos nós desejamos voltar para Volínia", disse ela. “Isso foi tudo em que pensamos por muitos anos.” Mas sua antiga casa, expurgada de seus residentes polacos remanescentes ao cair firmemente sob o domínio de Moscou, após a guerra como parte da Ucrânia soviética, estava fora de alcance.

De seus parentes próximos, apenas um sobrinho, Ryszard Marcinkowski, 74, voltou. O líder da Associação de Fronteiríssos, um grupo de polacos interessados ​​na cultura desaparecida de terras perdidas no leste, visitou o atual oeste da Ucrânia muitas vezes, desde o colapso da União Soviética, em 1991, para cuidar de túmulos no antigo vilarejo de sua família, em Niemylnia, e erguer cruzes em memória dos mortos.

Embora tenha sido criado ouvindo histórias de horror sobre os ucranianos contadas por sua tia e seus pais, ele viajou para lá, novamente, depois que a guerra começou, no ano passado, para mostrar seu apoio contra a Rússia e entregar suprimentos.

“Viver com ódio”, disse ele, “nunca é saudável”.

Fonte: The New York Times
Texto: Andrew Higgins
Tradução: Ulisses Iarochinski

Andrew Higgins é o chefe do escritório do "The New York Times" da Europa Central e Oriental baseado, em Varsóvia. Anteriormente foi correspondente e chefe do escritório, em Moscou, para o The Times. Ele fez parte da equipe que recebeu o Prêmio Pulitzer de Reportagem Internacional de 2017, e liderou uma equipe que ganhou o mesmo prêmio em 1999, quando era chefe do escritório de Moscou do "The Wall Street Journal".

TERRAS DA POLÔNIA
No meu livro publicado em agosto de 2022, em três capítulos, trato dos massacres cometidos por ucranianos em territórios polacos da Volínia, Podólia e Małoposka.



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