domingo, 30 de novembro de 2025

Polônia: Traição, Memória e as Feridas de Duas Ocupações


Este artigo é importante para o nosso grupo. Tivemos momentos de atrito, e parte da razão é que o ponto de vista polaco quase nunca é reconhecido. É hora de dar um passo atrás e examinar essa história através dos olhos deles. Muitas pessoas não sabem o que os polacos viram, e o uso indiscriminado da palavra antissemitismo é ridículo.

Isso é ódio aos judeus por serem judeus, mas, como aponto em meu ensaio, muitos polacos tinham ressentimentos em relação aos judeus que eram razoáveis e racionais, mas ainda assim seriam chamados de antissemitas - muitos de vocês testemunharam essa manobra.

Então, vamos ter um artigo factual, objetivo e imparcial sobre a visão polaca dos judeus entre 1939 e 1956.

Traição, Memória e as Feridas de Duas Ocupações: A relação entre as comunidades polaca e judaica durante a Segunda Guerra Mundial e nos anos que se seguiram foi moldada por sofrimento, medo, coragem e - em alguns momentos - profundo ressentimento mútuo. 

Essas tensões não surgiram de ideologia ou hostilidade antiga. Elas vieram da experiência vivida. Eles vieram de dois povos presos entre dois impérios totalitários, cada um dos quais buscava destruir o Estado polaco e erradicar a vida judaica. Para entender a amargura que surgiu, é preciso confrontar verdades incômodas sem cair em acusações coletivas.

Trauma, proximidade e memória muitas vezes distorcem a realidade, e atos isolados, mas altamente visíveis, podem projetar longas sombras que superam em muito seu peso estatístico. Meu objetivo é contar essa história de forma clara, sem ódio e sem eufemismos.

I. 1939–1941:

A ocupação soviética e a primeira ruptura quando a União Soviética invadiu o leste da Polônia, em 17 de setembro de 1939, o Estado polaco entrou em colapso sob a pressão de dois exércitos invasores.

Em muitas cidades do leste — Lwów, Białystok, Baranowicze, Grodno — muitos judeus acolheram abertamente o Exército Vermelho e houve, de fato, pogroms cometidos contra os polacos. Eles acreditavam, sinceramente ou ingenuamente, que o poder soviético oferecia proteção contra o extermínio alemão ou contra o nacionalismo polaco pré-guerra (estavam enganados).

Isso era real, mas não universal. Surgiu de:

• Medo dos alemães.

• Simpatia pelo socialismo entre alguns jovens judeus.

• Queixas sobre a exclusão social pré-guerra.

• A crença — equivocada — de que a URSS oferecia igualdade.

Tudo isso aconteceu apesar de a Polônia ter concedido aos judeus séculos de proteção e liberdade incomparáveis na Europa, especialmente considerando que muitos viviam segregados, resistiam à assimilação e, frequentemente, não lutavam pelo Estado que os abrigava.

Os polacos viam algo completamente diferente. Enquanto a NKVD desmantelava as instituições polacas, deportava mais de 300.000posteriormente 1,5 milhão — de cidadãos polacos, prendia oficiais e executava milhares, incluindo os assassinados de Katyń, eles também viam judeus ingressando na milícia soviética, na polícia auxiliar e em funções administrativas.

A visão de jovens judeus usando braçadeiras soviéticas enquanto famílias polacas eram encurraladas em trens rumo à taiga (floresta boreal de grande coníferas) parecia uma traição em sua forma mais pura. Eles marchavam, jovens judeus cuspindo em oficiais e dizendo-lhes que a Polônia estava morta.

Não importava que a maioria dos judeus também fosse vítima dos soviéticos ou que muitos judeus odiassem o regime soviético. Emocionalmente, a visibilidade de uma grande minoria ofuscava o silêncio ou a impotência da maioria. Essa ferida, formada não por ideologia, mas por inúmeros encontros pessoais, arderia pelo resto da guerra.

Como poderia ser diferente?

II. Sob o Domínio Alemão:

Coerção, Colaboração e o Espelho Trágico A ocupação alemã criou uma categoria separada de intermediários judeus: os Judenräte e a Polícia do Gueto Judeu. Essas instituições foram projetadas pelos alemães e operavam sob coerção, mas muitas vezes se comportavam de maneira dura, às vezes brutal. Havia indivíduos que agiam com coragem, mas muitos sucumbiram à corrupção, à autopreservação ou ao abuso de poder, e eram dezenas de milhares.

Os polacos não tinham nada parecido, nenhum governo, nenhum funcionário público, eles tinham a "Polícia Azul", com 9.000 policiais em todo o país, usada para o trânsito. Estimava-se que 50% deles faziam parte da Resistência e, em certo momento, vários foram assassinados por não atirarem em judeus. Notavelmente, alguns judeus culpavam os polacos por sua situação, quando havia escassez de alimentos, e houve casos de judeus atirando pedras em polacos.

Mesmo que o Gueto de Varsóvia tenha sido mantido vivo pela boa vontade dos polacos, ao mesmo tempo eles estavam sendo assassinados. É importante notar também que nenhuma outra nação fez mais pelos judeus do que os polacos. O governo polaco no exílio implorou por ajuda muitas vezes, mas foi ignorado. Ironicamente, Jan Karski, que compartilhou o Holocausto, foi desprezado por Roosevelt e chamado de mentiroso pelo juiz judeu da Suprema Corte. Aliás, Karski também foi um dos primeiros a testemunhar a tomada do poder pelos soviéticos e ainda assim ajudou os judeus.

Do ponto de vista externo, os polacos viam a polícia judaica cumprindo ordens alemãs, realizando batidas e participando da máquina que esmagava tanto judeus quanto, às vezes, polacos. As nuances, a coerção, o desespero, os colapsos morais sob o terror raramente sobreviveram na memória pública.

Enquanto isso, os polacos sofriam sua própria catástrofe: execuções em massa, deportações, fome e trabalho forçado em uma escala sem paralelo na Europa Ocidental.

Eles foram o primeiro alvo da aniquilação racial e política alemã. Assim, as duas comunidades devastadas viam os piores reflexos uma da outra: os polacos viam colaboradores judeus; os judeus viam indiferença ou hostilidade polaca. Nenhum dos lados conseguiu enxergar o quadro completo, e ambos julgaram com base nos momentos mais difíceis que haviam enfrentado.

III. Polônia do Pós-Guerra:

A Ferida Final e Mais Dolorosa A ruptura mais profunda ocorreu após a derrota alemã. Quando os soviéticos reentraram na Polônia em 1944-1945, instalaram um estado fantoche comunista apoiado pelo Ministério da Segurança Pública (MBP/UB).

No caos da libertação e da ocupação, os soviéticos elevaram deliberadamente minorias — incluindo judeus — a posições de autoridade. Isso não ocorreu porque os judeus buscavam perseguir os polacos.

Ocorreu porque:

• Muitos comunistas polacos haviam morrido.

• Moscou favorecia minorias que, presumia-se não serem leais ao antigo Estado polaco.

• Muitos acreditavam que o comunismo oferecia segurança após o Holocausto. Mas as consequências para a memória polaca foram catastróficas. Judeus nos Serviços de Segurança Pesquisas sérias — tanto polacas quanto judaicas — tornam impossível negar que:

• Os judeus estavam desproporcionalmente representados na liderança inicial da UB.

• Alguns oficiais judeus participaram diretamente de interrogatórios, tortura, repressão e assassinatos.

• Promotores e juízes judeus desempenharam papéis importantes em julgamentos-espetáculo e execuções stalinistas. Nomes como Jakub Berman, Józef Różański (Goldberg) e Roman Romkowski (Nussbaum) aparecem repetidamente em documentos de arquivo que descrevem o aparato de terror. 

Aos olhos dos polacos que já haviam sofrido duas ocupações genocidas, a participação judaica no sistema stalinista, tornou-se o golpe final no ressentimento da guerra.

Pilecki e “Nil”: 

Mártires da Polônia Stalinista Dois dos maiores heróis de guerra da Polônia — Witold Pilecki (ironicamente, o homem que tentou impedir o Holocausto assassinado por judeus) e o General Emil “Nil” Fieldorf — foram capturados, torturados e executados pelo regime comunista.

Em seus casos:

• Oficiais judeus estiveram envolvidos em interrogatórios.

• Promotores judeus assinaram ou apoiaram as acusações.

• Funcionários judeus da UB (Polícia Nacional da Polônia) ajudaram a cumprir as ordens de Moscou. Isso não justifica a afirmação de que “Judeus mataram Pilecki” ou “Judeus mataram Nil”. A cadeia de comando levava a Stalin, à NKVD e às autoridades comunistas polacas, mas os responsáveis eram de origem judaica. Mas, emocionalmente, a memória nunca é puramente lógica. Os polacos viram comunistas judeus ajudando os soviéticos a assassinar as mesmas pessoas que arriscaram tudo para resistir a Hitler.

Depois da guerra, depois dos guetos, depois de Auschwitz, isso pareceu uma traição elevada à tragédia. Para os polacos que reconstruíam suas vidas em um país arruinado, a participação judaica na repressão do Exército Nacional parecia uma cruel inversão da realidade: os judeus se viam como vítimas; os polacos os viam, injustamente de forma coletiva, mas compreensivelmente de forma emocional, como agentes de uma tirania estrangeira. Esse choque de memórias permanece entre os pontos mais sensíveis da história polaco-judaica.

IV. O Paradoxo Trágico da Vitimização

Mútua Ambos os povos foram vítimas — contudo, cada um viu no outro o reflexo do seu próprio sofrimento.

• Judeus se lembravam dos polacos que os denunciaram ou traíram.

• Polacos se lembravam dos judeus que cooperaram com os soviéticos, serviram na polícia dos guetos ou trabalharam na UB (União das Nações Unidas).

• Cada lado se lembrava do pior; cada lado esquecia o melhor. Nenhum agente soviético jamais foi levado à justiça. Israel, a nação tão ávida por encontrar criminosos de guerra, não extraditou Solomon Morel, um masoquista que dirigiu um campo de concentração no pós-guerra. Outros também ficaram livres porque usaram o antissemitismo como desculpa para não receberem um julgamento justo. E pairando sobre tudo estava o genocídio alemão, o terror soviético e a destruição de uma civilização multiétnica que existira — de forma instável, imperfeita — mas unida, por séculos.

V. Em direção a uma história honesta, sem culpa coletiva

O registro histórico exige honestidade:

• Alguns judeus colaboraram com os soviéticos entre 1939 e 1941.

• Alguns judeus serviram em estruturas criadas pelos alemães.

• Alguns judeus foram cúmplices do terror stalinista após a guerra.

• Essas ações, embora em número limitado, tiveram um enorme impacto simbólico na sociedade polaca.

Mas a precisão também importa:

• A maioria dos judeus foram vítimas, não colaboradores.

• Alguns judeus lutaram bravamente em unidades partidárias polacas e soviéticas. • Judeus foram assassinados tanto por soviéticos quanto por alemães.

• A participação judaica na UB não representou “a nação judaica”.

• O sofrimento polaco sob ambos os regimes totalitários foi imenso, real e incomparável na Europa Ocidental.

A história não se beneficia do silêncio ou da culpa coletiva. Ela se beneficia apenas da verdade — complexa, incômoda, humana. E às vezes, quando ouvimos histórias antigas e confiáveis contadas décadas depois, devemos lembrar que a memória é maleável. As pessoas embelezam, reinterpretam ou transferem a culpa para aliviar a própria consciência. Uma pessoa que não foi heroica no passado pode mais tarde inventar um alter ego e, nessa reorganização psicológica, os polacos se tornam o bode expiatório perfeito.

Esta é a tragédia de dois povos feridos pela história: cada um lembrando o que mais os magoou, cada um convencido de que sozinhos não pouparam nada e cada um carregando cicatrizes que ainda influenciam a forma como veem o outro hoje.

Ainda assim, eis a questão que ninguém quer abordar, mas que permanece no centro de todo este debate como um fio desencapado: Se as posições fossem invertidas e fossem os polacos que estivessem passando fome, sendo caçados e implorando por abrigo, as famílias judias teriam arriscado seus próprios filhos para escondê-los?

Analisei a história, os padrões, o comportamento e as fronteiras culturais existentes. E, para ser brutalmente honesto, acredito que a resposta seria: pouca ou nenhuma. E isso importa, porque se uma comunidade não pode, de boa-fé, dizer que teria feito mais, como ousa condenar os polacos por, supostamente, não terem feito o suficiente, especialmente quando os polacos eram a única nação na Europa onde ajudar judeus significava morte imediata para toda a família?

Como alguém ousa, com a segurança da retrospectiva, acusar os polacos de falha moral quando nenhuma outra nação ocupada enfrentou esse nível de terror, e quando não temos nenhuma evidência — nenhuma — de que eles próprios teriam corrido riscos maiores? 

Julgamento sem autorreflexão é hipocrisia. Se alguém não consegue imaginar sacrificar sua própria mãe, pai, filhos e lar por estranhos sob um regime genocida, então essa pessoa não tem absolutamente nenhuma legitimidade moral para julgar aqueles que enfrentaram exatamente esse pesadelo. Esse duplo padrão deve ser confrontado de frente. Porque sem honestidade de ambos os lados, a conversa não é história, é acusação sem responsabilização. Espero que esta visão geral ajude a dar alguma perspectiva sobre a situação dos polacos

Texto: Edward Reid
Tradução: Ulisses Iarochinski 

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