sábado, 4 de junho de 2016

Carta Aberta dos ucranianos aos polacos


Ex-presidentes da Ucrânia, chefes da Igreja Ortodoxa da Ucrânia - Patriarcado de Kiev e da Igreja greco-católica, artistas, intelectuais, escritores, políticos e ativistas sociais enviaram uma carta aberta aos líderes do Estado polaco e da sociedade polaca - pedindo perdão e reconciliação.


2 de junho de 2016

Queridos irmãos,

Aproximam-se os dias em que nos lembramos dos filhos e filhas caídos de nossas nações.

Na história das relações entre os ucranianos e polacos são muitos os exemplos de fraternidade, mas também não há falta de agitação sangrenta. Entre estes, um particularmente doloroso - tanto para o ucraniano e para o polaco - continua a ser a Tragédia da Volínia e o conflito polaco-ucraniano nos anos da Segunda Guerra Mundial, que matou milhares de irmãos e irmãs inocentes.

O assassinato de pessoas inocentes não é nenhuma desculpa.

Então, por favor, perdoe-nos pelos crimes cometidos e danos - esta é a principal mensagem da nossa carta.

Por favor, perdoe-nos, mas também, nós perdoamos os erros e crimes que cometeram contra nós, ucranianos. É a única fórmula espiritual, que deveria ser tema de cada coração ucraniano e polaco, desejando paz e reconciliação.

Assassinato, tortura, opressão nacional e religiosa, exploração social e deportação - estes são conceitos tão bem conhecidos por ambos nossos povos. Nós os conhecemos e lembramos.

Até agora, enquanto vivam nossas nações, até o momento em que vão nos machucar essas feridas históricas. Nossos povos viverão somente se, apesar do passado, possamos aprender a nos relacionar uns com os outros com respeito, como irmãos e iguais.

O maior mal em nossas mútuas relações foi a desigualdade, que resultava da inexistência do Estado ucraniano. Com inevitável consequência em cada catástrofe do Estado ucraniano, a qual sempre conduziu à ruína e ao colapso do Estado polaco. Essa regularidade trágica é uma espécie de axioma em nossas relações ucraniana-polacas.

O Estado ucraniano ainda tem que determinar plenamente sua atitude mais adequada e mais digna em relação à essas experiências passadas, em suas causas e a sua responsabilidade própria nisto, o que houve e o que virá.

Na consciência polaca deveria contudo, ser pleno o reconhecimento sobre a especificidade da tradição nacional ucraniana, com o seu justo e digno respeito pela seriedade da luta por um Estado totalmente independente e soberano. - Nos aceitar uns aos outros e, finalmente, outra ação - a do pensamento e do coração.

Vamos, finalmente, erigir o monumento mais importante para nossos povos, que não existiram em panteões locais, mas sim o gesto da mão estendida um para o outro.

A atual guerra da Rússia contra a Ucrânia amarrou ainda mais nossas nações. Com sua beligerância contra a Ucrânia, Moscou leva também a agressão contra a Polônia e todo o mundo livre.

Hoje, destacamos com particular força, o desejo de sensibilizar políticos de ambos países contra o discurso do ódio e demonstração de hostilidade, que poderiam minar o imperativo do nosso perdão e da compreensão cristã. Há obviamente uma necessidade de retratar o passado trágico, embora o uso da dor comum para uma solução política só vai levar à recriminações infindáveis. Injusto, o mal sempre e sempre voltará contra sepulturas, contra a memória e contra o nosso futuro.

Apelamos aos nossos aliados, as lideranças polacas do Estado e aos parlamentares, abster-se de quaisquer declarações políticas precipitadas e resoluções que, afinal de contas, não aliviarão a dor, mas apenas vai permitir que nossos inimigos comuns usem isso contra a Polônia e a Ucrânia. Não tenhamos ilusões: o estigma hostil da palavra está tão incorporado em nossas comunidades.

Lembremo-nos igualmente, que Kiev e Varsóvia - é um flanco oriental estratégico de resistência para toda a Europa. Temos de perceber que o exemplo de nosso mútuo compromisso poderá se tornar modelo para todo o território europeu.

Na véspera de eventos relacionados às comemorações dos nossos dramas históricos, que terão início em julho, em ambos os países, apelamos para que não retornemos às tradicionais declarações parlamentares que nos dividem e nos unem – façamos isso num espírito de arrependimento e perdão. Dirijamo-nos fraternalmente, apelamos para o estabelecimento de um dia comum de recordação das vítimas do nosso passado com um sentido de fé para que o mal nunca mais volte.

Eterna e digna de memória, nossas realizações também dependem do pleno e sábio entendimento pleno entre nós - alcançado permanentemente e para sempre.

Acreditamos que a nossa voz será ouvida na sociedade polaca.

Os signatários da carta:

Leonid Kravchuk, Presidente da Ucrânia entre 1991-1994

Viktor Yushchenko, presidente da Ucrânia entre 2005-2010

Patriarca Filaret para toda a Rússia e Ucrânia - chefe da Igreja Ucraniana Ortodoxa do Patriarcado de Kiev

Sviatoslav Shevchuk, o arcebispo supremo da Igreja Ucraniana Ortodoxa Greco-católica

Vyacheslav Bruchoweckij estudioso de literatura, reitor honorário da Universidade Nacional - Kyiv-Mohyla Akademia.

Ivan Wasiunik – Co-presidente social da Memória do Holodomor e genocídio dos anos de 1932 a 1933, e vice-primeiro-ministro da Ucrânia em 2007-2010.

Ivan Dziuba, acadêmico, literário, ativista social.

Danylo Lubkiwskij, representante do ministério das relações exteriores da Ucrânia (2014)

Dmytro Pavlychko, poeta, político, ativista social, embaixador extraordinário e plenipotenciário.

Volodymyr Panchenko, crítico literário, escritor, professor da Universidade Nacional na "Kyiv-Mohyla Akademia".

Myroslav Popovych, acadêmico, filósofo, diretor do Instituto Grygorija Skovoroda.

Vadym Skuratiwskij, historiador de arte, crítico literário, professor da Academia Nacional de Artes da Ucrânia.

Ihor Juchnowskij, acadêmico, primeiro diretor do Instituto Ucraniano da Memória Nacional.

Publicada no jornal Gazeta.ua

http://gazeta.ua/articles/life/_ukrayinci-napisali-list-pokayannya-i-proschennya-do-polskogo-suspilstva/702070

Tradução: Ulisses Iarochinski

3 comentários:

Bronislaw Polakiewicz disse...

É importante reconstruir a história dos dois países quase sempre candidatos a desaparecer do mapa mas sempre renascendo das cinzas.

Professor André Ambrosio disse...

Não entendo por que esses povos não se reconciliam de uma vez por todas. Por que cada geração faz suas as desavenças de seus avós? Não tenho interesse algum em comprar a briga dos meus antepassados. Nunca soube se eu sou descendente de polacos ou ucraínos, pois de acordo com as mais confiáveis informações que consegui meus avós emigraram do Império Austro-Húngaro.

Professor André Ambrosio disse...

Concordo com você, Bronislaw! Precisamos reconstruir sempre a história de quaisquer países. O que acho errado é que a reconstrução geralmente se faz de maneira tal que reabre velhas feridas que de há muito deveriam estar cicatrizadas. Com escreveu Bachelard, "a verdade é filha da discussão, não da simpatia". Freud, citando Leonardo da Vinci: "Quem, na luta de opiniões, invoca a autoridade, trabalha mais com a memória do que com a razão." E a discussão a que se refere Bachelard é a que faz uso da razão.