Filme polaco participante do 66º Festival de Cinema de Berlim |
Olhar sobre a miséria emocional (e sexual) de um grupo de personagens femininas, tendo como pano de fundo a Polônia recentemente “libertada” de 1990, United States of Love (no Brasil recebeu o título "Estados Unidos pelo Amor") é o primeiro filme de Tomasz Wasilewski, uma das coqueluches do novo cinema polaco.
Primeira crítica
É um filme lúgubre até dizer chega, mesmo em questões relacionadas com a superfície da imagem — por exemplo aquela fotografia desbotada, reminiscente da cores de uma VHS deteriorada, como se a reconstituição de uma memória da época também passasse por aí (e, na verdade, há mesmo uma cena em que é preponderante um cassete VHS).
United States of Love
Direção:
Tomasz Wasilewski
Atrizes:
Tomasz Wasilewski
Atrizes:
Mas se o filme tem méritos, principalmente o trabalho sobre os planos longos (em especial um, quase no final, pontuado por um grande poster de Whitney Houston), a imbuírem o sexo e a nudez, ambos abundantes, de uma atmosfera desolada que homenageia o pornográfico para ser “anti-porno”, nunca encontra a forma de ultrapassar a ilustração de uma agenda temática binária e contrastante.
Que é isto: a Polônia livrou-se do comunismo, tem aberto o caminho para a democracia e para o “mundo livre”, e no entanto não há euforia nenhuma, o sexo é triste, as pessoas vivem num torpor que, simbolicamente, talvez comece a ser sacudido (ou “expelido”) no último plano, que mostra uma das personagens a vomitar.
Psicologicamente entranhado, desenhando cuidadosamente (para não dizer calculisticamente), através de detalhes, um mapa social da Polônia de 90 (do catolicismo, através da personagem do padre, à imigração, no marido ausente que podia ser uma das personagens do Moonlighting de Skolimowski), United States of Love é uma miniatura esquemática que se vê como uma espécie de adendo, ou de posfácio apócrifo, ao Decálogo de Kieślowski, que com maior complexidade e muito menos cinismo estabeleceu um retrato, “ao vivo”, da vida polaca nos últimos anos da década de 80 e da época do comunismo.
A relação é claramente permitida pelo filme, porventura até deliberadamente, mas onde Kieślowski ampliava, fazendo tudo vibrar num novelo de ressonâncias morais (ou mesmo moralistas), Wasilewski reduz, nada ressoando senão o eco de um niilismo que devota às suas personagens ao abandono — e a um certo desprezo por parte da câmara (consequência involuntária dos planos longos e fixos: o enquadramento, a composição, são valores absolutos, incapazes de se comoverem pelas personagens). Objeto interessante mas limitado, e resolutamente “pós”, mais no mau sentido da expressão do que no bom.
Segunda Crítica
É difícil adentrar o universo deste drama polaco. Começamos sem uma apresentação propriamente dita: num jantar, as personagens principais conversam sobre fatos específicos, íntimos, sem que o espectador entenda quem é cada uma delas, ou em que contexto os diálogos se inserem. Elas falam depressa, atropelando as frases alheias.
A direção de fotografia é outro empecilho: as imagens estão estranhamente dessaturadas, com poucos objetos em cor viva, como em determinados filtros do Photoshop ou Instagram.
"Estados Unidos Pelo Amor" surpreende pela artificialidade. A cidade vazia, a simetria perfeita dos planos e os terraços de prédios filmados como se estivessem sobre um fundo verde indicam um universo fantástico, próximo do pesadelo. Os conflitos são múltiplos, mas desprovidos de contexto: as cenas de sexo se multiplicam sem causa nem consequência, os fatos são às vezes fortuitos, às vezes implausíveis (a mulher que vê o padre nu sem ser percebida, a personagem idosa que se infiltra na piscina para admirar uma vizinha).
Este é um filme essencialmente voyeurista, operando numa lógica além do real. Depois de algum tempo de projeção, talvez seja possível atravessar a espessa camada de estetismo para chegar ao cerne humano da história.
A narrativa acompanha a vida de quatro mulheres, descritas por problemas afetivos: Agata (Julia Kijowska) detesta o marido e tem desejos pelo padre; Iza (Magdalena Cielecka) é uma diretora de escola apaixonada pelo pai de um aluno, mas rejeitada; Renata (Dorota Kolak) acaba de se aposentar e desenvolve uma fascinação erótica pela vizinha modelo; e a própria vizinha, Marzena (Marta Nieradkiewicz), sofre com a falta de perspectivas profissionais.
Todas são vistas nuas, em cenas de sexo deprimentes no melhor dos casos, ou abusivas nos casos mais graves. As histórias se desenvolvem em segmentos separados, mas sem divisão formal em tela (nada de letreiros ou algo do tipo). Estados Unidos Pelo Amor mira num objetivo ousado: as ânsias amorosas e profissionais das mulheres num país em crise financeira e de valores.
Os homens da história são distantes ou dominadores, completando o cenário no qual nenhum personagem é realmente feliz. Talvez a maior deficiência do projeto seja o retrato invariavelmente patológico: as mulheres são obsessivas ou paranoicas, neuróticas ou histéricas. Nenhuma é definida pelos gostos, pelas posturas ideológicas ou pelos planos futuros.
O diretor Tomasz Wasilewski oferece uma galeria de sintomas ambulantes. Mesmo assim, as atrizes oferecem uma ótima construção de personagens difíceis, que poderiam se tornar caricaturas nas mãos de intérpretes menos qualificadas. Rumo ao final, conhecemos melhor estas mulheres tristes, mas a estranheza do projeto se mantém: este é um drama que fala sobre questões realistas com estética artificial, uma narrativa melodramática em condução fria, um retrato ora atento ao sofrimento feminino, ora condescendente com os abusos psicológicos que pretende denunciar.
Crítica: Bruno Carmelo
Site: Adoro Cinema
O filme realizado em 2016 e foi lançado no Brasil, em dezembro do ano passado, em algumas salas de cinema apenas.
Crítica de: Luís Miguel Oliveira
Adpatação para o português do Brasil: Ulisses Iarochinski
Fonte: Jornal "Público", de Lisboa
Segunda Crítica
É difícil adentrar o universo deste drama polaco. Começamos sem uma apresentação propriamente dita: num jantar, as personagens principais conversam sobre fatos específicos, íntimos, sem que o espectador entenda quem é cada uma delas, ou em que contexto os diálogos se inserem. Elas falam depressa, atropelando as frases alheias.
A direção de fotografia é outro empecilho: as imagens estão estranhamente dessaturadas, com poucos objetos em cor viva, como em determinados filtros do Photoshop ou Instagram.
"Estados Unidos Pelo Amor" surpreende pela artificialidade. A cidade vazia, a simetria perfeita dos planos e os terraços de prédios filmados como se estivessem sobre um fundo verde indicam um universo fantástico, próximo do pesadelo. Os conflitos são múltiplos, mas desprovidos de contexto: as cenas de sexo se multiplicam sem causa nem consequência, os fatos são às vezes fortuitos, às vezes implausíveis (a mulher que vê o padre nu sem ser percebida, a personagem idosa que se infiltra na piscina para admirar uma vizinha).
Este é um filme essencialmente voyeurista, operando numa lógica além do real. Depois de algum tempo de projeção, talvez seja possível atravessar a espessa camada de estetismo para chegar ao cerne humano da história.
A narrativa acompanha a vida de quatro mulheres, descritas por problemas afetivos: Agata (Julia Kijowska) detesta o marido e tem desejos pelo padre; Iza (Magdalena Cielecka) é uma diretora de escola apaixonada pelo pai de um aluno, mas rejeitada; Renata (Dorota Kolak) acaba de se aposentar e desenvolve uma fascinação erótica pela vizinha modelo; e a própria vizinha, Marzena (Marta Nieradkiewicz), sofre com a falta de perspectivas profissionais.
Todas são vistas nuas, em cenas de sexo deprimentes no melhor dos casos, ou abusivas nos casos mais graves. As histórias se desenvolvem em segmentos separados, mas sem divisão formal em tela (nada de letreiros ou algo do tipo). Estados Unidos Pelo Amor mira num objetivo ousado: as ânsias amorosas e profissionais das mulheres num país em crise financeira e de valores.
Os homens da história são distantes ou dominadores, completando o cenário no qual nenhum personagem é realmente feliz. Talvez a maior deficiência do projeto seja o retrato invariavelmente patológico: as mulheres são obsessivas ou paranoicas, neuróticas ou histéricas. Nenhuma é definida pelos gostos, pelas posturas ideológicas ou pelos planos futuros.
O diretor Tomasz Wasilewski oferece uma galeria de sintomas ambulantes. Mesmo assim, as atrizes oferecem uma ótima construção de personagens difíceis, que poderiam se tornar caricaturas nas mãos de intérpretes menos qualificadas. Rumo ao final, conhecemos melhor estas mulheres tristes, mas a estranheza do projeto se mantém: este é um drama que fala sobre questões realistas com estética artificial, uma narrativa melodramática em condução fria, um retrato ora atento ao sofrimento feminino, ora condescendente com os abusos psicológicos que pretende denunciar.
Crítica: Bruno Carmelo
Site: Adoro Cinema
Recebeu os prêmios:
- Prêmio do Cinema Europeu de Melhor Roteirista 2016: Tomasz Wasilewski,
- Prêmio da Academia Polaca de Melhor Edição 2017: Beata Liszewska
- Prêmio da Academia Polaca para melhor atriz 2017: Dorota Kolak
- Prêmio Passaporte Polityka para melhor Filme de 2017: Tomasz Wasilewski
Trailer exibido em Portugal:
Trailer exibido no Brasil
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