domingo, 18 de março de 2018

"Eu sou polaca de pele preta, não conheço nenhum outro país"


Rajel Matsili - Foto: arquivo pessoal
Matéria publicada no último dia 15 de março, na site da Rádio polaca TokFM, mostra de forma concreta a transformação pela qual tem passado a Polônia desde que o PiS- Partido Direito e Justiça tomou conta de todos os poderes da república polaca.

A onda de intolerância fomentada há alguns anos pelo padre da Igreja Católica Apostólica Romana, chamado pelos seus seguidores de Pai Tadeusz Rydzyk, foi um dos fatores que favoreceu a vitória do líder da ultra-direita polaca e seu partido, Jarosław Kaczyński.

O PiS de Kaczyński e Rydzyk detém a presidência da república, a chefia do governo com o primeiro-ministro e dois terços do Congresso Nacional da Polônia desde maio de 2015.

Atores e atrizes já foram retirados do palco dos teatros enquanto realizavam espetáculo porque estavam encenando peça de autor estrangeiro. Cantores foram impedidos de continuar o show porque estavam cantando músicas em inglês.

Os responsáveis por estas ações foram pessoas de um público fanatizado de seguidores de Kaczyński e Rydzyk - dois ideólogos do xenofobismo, do antissemitismo, do racismo e da intolerância.

Esta é a reportagem sobre uma polaca, nascida na Polônia, que fala o idioma perfeitamente (mais até que muitos outros no país), que sempre viveu na Polônia, mas que difere dos demais cidadãos por não ser branca, castanha, olhos azuis ou verdes. Este texto de uma jornalista loira, e polaca, como a entrevistada, é sobre uma pessoa de pele preta, olhos pretos e cabelos pichacos.

Esta é a história da polaca Rajel Matsili, filha de uma polaca branca e um negro do Congo.

WYZWISKA, SZTURCHAŃCE, SPUNICIE*

Situações desagradáveis ​​acontecem todos os dias. Finalmente, Rajel, uma mulher polaca negra, disse "basta!". Ela quis deixar imediatamente a capital da Polônia, onde se encontrou com o desprezo.

Esta reportagem começou com a entrada no Facebook de Agnieszka Łabuszewska, proprietária do Cafe Kulturalna, na qual Rajel estava empregada. "Duas semanas atrás, uma menina mudou-se para Varsóvia, de boa energia, com um sorriso, uma inteligência e uma vontade de trabalhar, que nós a adotamos no Kulturalna. Se é importante para qualquer um, por que não para nós, uma polaca de pele escura?" - escreveu Łabuszewska.

Meio mês de insultos em bondes, coletivos e nas ruas, cuspidas e chamandos de "negrinha suja" foram o suficiente. A polaca negra desacelerou e quis sair da cidade.

Em uma entrevista para o portal tokfm.pl, Rajel, de 27 anos, diz que é uma mulher polaca de pele preta e não conhece outra terra natal a não ser a Polônia. Ela pretende retornar para Cracóvia o mais rápido possível.

Anna Dryjańska: O que aconteceu durante as duas semanas que você passou em Varsóvia?

Rajel Matsili: Isto é habitual na minha vida até aqui, mas agora foi demais. Olhos hostis, empurrões, insultos de pessoas comuns na rua, porque eu sou preta. Xingamentos de "macaca", "selvagem", "negra". Sinceramente, eu pensava que Varsóvia fosse mais aberta.
Claro, os idiotas existem em todos os lugares, mas na capital eles parecem ser exageradamente em maior número. Eu não consegui me registrar na Biblioteca Praga Sul, porque um bibliotecário começou a me pedir de forma suspeita para eu mostrar meu contrato de trabalho e provar que "eu sou daqui".

Anna Dryjańska: Você pode dar outro exemplo?

Rajel Matsili: Peguei um bonde (ônibus elétrico) do bairro Praga para o Centro da cidade. Na parada de ônibus, uma mulher de cerca de 30 anos, quando passou por mim, cutucou-me tanto que quase caí. Ela disse "foda-se negrinha suja" e continuou andando. Dois caras do outro lado da rua, riram. Uma outra senhora viu, mas não disse nada. Eu já passei por muitas dessas situações, que até se tornaram corriqueiras.

Anna Dryjańska: A mulher te disse alguma coisa?

Rajel Matsili: Murmurou-me, como de costume. Eu sempre descarto uma reação. Quando uma pessoa se encontra numa situação destas, não pensa em uma pronta-resposta. Apenas uma vez eu respondi de bate-estaca.

Anna Dryjańska: Em que circunstância?

Rajel Matsili: Eu estava voltando para casa de trem, algumas pessoas no vagão, sem cabines, começaram a me chamar de "bruxa negra". Provavelmente pensavam que não eu entendia o idioma polaco. Eu me virei para eles e lhes pedi para pararem de me caluniar pelas minhas costas.  Surpresos com minha reação, eles ficaram em silêncio.

Em geral, as pessoas muitas vezes pensam que podem me insultar sem punição, porque não eu não entenderia nada. Mas eu falo polaco, esta é a minha língua materna. Nasci na Polônia, fui ao jardim de infância, escola primária, escola secundária, faculdade ... Não sou branca, meu pai é congolês e minha mãe é polaca.

Anna Dryjańska: O que seus pais fazem?
Bethuel Belvys Matsili - pai de Rajel

Rajel Matsili: São professores universitários. Minha mãe é doutora em história e filosofia e meu pai em ciência política.

Anna Dryjańska: Seu pai provavelmente também não teve facilidades aqui.

Rajel Matsili: Lembro-me de uma situação em meados dos anos 90. Viviamos em Cracóvia, alguém bateu na porta. Quando meu pai abriu a porta, alguém o atingiu no rosto com ácido. Ele teve problemas de visão por meio ano.

Anna Dryjańska: Ficaram cicatrizes?

Rajel Matsili: Não. Ele teve sorte de acabar apenas nessa agressão. Às vezes, penso em tudo isso e chego à conclusão de que não me tratam tão mal assim, afinal! As mulheres negras são tratadas na Polônia melhor do que os homens negros, de modo que, em comparação com os homens, eu tenho uma cota reduzida de maus tratos.

Anna Dryjańska: Como é a cota reduzida?

Rajel Matsili: Os ataques físicos contra mulheres negras ocorrem com menos frequência. É mais um xingamento, uma cuspida nos pés, sou ridicularizada por pessoas aleatórias na rua. Durante minha vida inteira, fui atacada fisicamente, e isso várias vezes, devido à cor da minha pele.

Prof dra Renata Matsili

Anna Dryjańska: Você pode descrever uma dessas situações?

Rajel Matsili: Fui em um show de punk em Pszów. Quando eu saí do ônibus após o concerto, estava esperando no ponto de ônibus, em dado momento, senti que alguém estava tocando meu braço. Eu me virei. Então alguém cuspiu na minha cara e gritou "Polônia para os polacos, puta que pariu!".
Recentemente, uma senhora veio até mim na rua. Ela foi mais gentil. Ela não cuspiu em mim e até usou "por favor".
Mas me lembro exatamente de suas palavras, ainda. "Você não é deste país, por favor, vá embora daqui", ela me disse.

Anna Dryjańska: Que pensamentos vêm à sua mente, então?

Rajel Matsili: Eu me pergunto o que estou fazendo aqui. Irrita-me que as pessoas me tratem como estranha, como alienígena. E, ao mesmo tempo, penso que, afinal, sou polaca e não conheço outra pátria. Então, quando essas pessoas me mandam ir embora, eu simplesmente não tenho para onde ir. Aqui está a minha casa. Eu sou polaca de pele preta. Dói-me que as pessoas me abordem na rua desta forma discriminatória.

Anna Dryjańska: O que você acha das pessoas que usam de violência racista contra você?

Rajel Matsili: Parece-me que são pessoas muito pequenas, complexadas, que buscam uma saída para sua insatisfação com a vida, e querem descontar suas frustrações em alguém. E essa pessoa sou eu. Lembro-me do racismo em minha infância. Então, a situação começou a melhorar aos poucos. Mas, agora, tem piorando muito nos últimos dois anos. Nas ruas domina só a selvageria.

Anna Dryjańska: Por que isso aconteceu?

Rajel Matsili: Neste período de domínio do PiS no governo e nas coisas públicas, algumas pessoas sentiram que têm permissão para agredir.

*xingamento, cutuco, cuspida.

Fonte:TokFM
Texto:Anna Dryjańska
Tradução e adaptação: Ulisses Iarochinski


COMENTÁRIOS DE POLACOS
NO SITE DA RÁDIO TokFM

Marek Trybut
Rasizm, antysemityzm, ksenofobia to ulubione ale nie jedyne paliwa polityczne Kaczyńskiego i PiS, Rydzyka i Kościoła. (O racismo, o anti-semitismo, a xenofobia são os combustíveis políticos favoritos, mas não os únicos, de Kaczyński e PiS, Rydzyk e da Igreja.)

71tosia
dawniej ludzie się wstydzili być rasistami czy po prostu ignorantami, dziś sa z tego dumni, niestety nie tylko w Polsce. (antigamente, as pessoas eram envergonhadas de serem racistas ou simplesmente ignorantes, hoje orgulham-se disso, infelizmente não só na Polônia.)

marc.pl
W ciągu ostatnich dwóch lat z Polaków wylała się gnojówka - Polska robi się jak śmierdzące szambo. Skąd w naszym narodzie jest tyle nienawiści do innych narodów, my nienawidzimy wszystko i wszystkich co nie jest PL.
(Nos últimos dois anos, um estrume líquido foi derramado pelos polacos - a Polônia está fazendo um poço de fumaça, onde na nossa nação há tanto ódio para com outras nações, odiamos tudo e todos os que não são PL.)

zocha6884
Straszne, przepraszam wszystkich za Polaków rasistów i antysemitów. Tak po ludzku jest mi wstyd
(Terrível, peço desculpa a todos pelos polacos racistas e antissemitas. Tenho vergonha desta gente.)

matuniak24
Boże , nie wiedziałam że jest aż tak źle, trudno uwierzyć, że moi rodacy są takimi prymitywami... Nikt nigdy nie stanął w jej obronie... Teraz rozumiem dlaczego PIS rządzi.
(Deus, eu não sabia que isso é assim tão ruim, é difícil acreditar que meus compatriotas sejam tão primitivos ... Ninguém nunca a defendeu ... Agora entendo por que o PIS reina.)

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