|
Andrzej Lubomirski em trajes típicos dos Sarmatas polacos
Foto: Quadro do acervo do Museu de Przeworsk |
Um dos homens mais importantes da Polônia no início do século passado morreu em Jacarezinho, aos 91 anos, e está sepultado no cemitério da cidade.
|
Cidade de Jacarezinho - Paraná |
O ano era 1953. Numa grande casa de esquina, no centro de Jacarezinho (390 km de Curitiba), um homem de 91 anos morria longe de sua terra natal. O atestado de óbito assinado pelo médico João Rodrigues Caldas indica que ele morreu de causas naturais; em decorrência da idade avançada. O corpo foi sepultado no dia seguinte, no cemitério da cidade.
Quase 70 anos depois, um jazigo chama a atenção da professora Terezinha Franco durante uma visita ao cemitério. "Eu achei estranho porque no túmulo estava escrito 'Prince André'. E 'prince' é 'príncipe' em inglês. Além disso, eu vi que ele não era daqui. Era polaco. E isso me deixou ainda mais curiosa. Eu queria saber quem era aquele homem e como ele veio parar em Jacarezinho", conta.
O homem de 91 anos, morto em 1953, cujo túmulo chamou a atenção da professora, era Andrzej Lubomirski. A palavra "prince" escrita na lápide indica a origem nobre desse polaco que nasceu em Cracóvia, no ano de 1862. Ele não só era um príncipe em seu país, como foi um dos homens mais importantes da Polônia no começo do século passado.
Nascido em uma tradicional família principesca da Polônia, Andrzej era o filho mais velho do príncipe Jerzy Henryk Lubomirski; dono das terras de Przerworsk, uma cidade no sudeste da Polônia. Seu irmão mais novo, o príncipe Kazimierz Lubomirski, foi o primeiro embaixador da Polônia nos Estados Unidos depois da Primeira Guerra Mundial; e presidente do Comitê Olímpico Polaco entre 1921 e 1929.
Assim que assumiu a condição de chefe do território de Przeworsk, em 1886, o príncipe Andrzej deu início a um processo de industrialização até então nunca visto na região. "A propriedade do Príncipe Lubomirski era formada por 15 fazendas, que davam 4.440 hectares, e era considerada uma das mais desenvolvidas da Polônia antes de 1914. Ele abriu em Przeworsk a maior fábrica de açúcar da região. Além disso, dirigia destilarias e refinarias em outras fazendas, fábrica de licores, laticínios, alvenarias, oficinas mecânicas, carpintaria, modernos moinhos a vapor e serrarias.", explica Małgorzata Wołoszyn, curadora do Museu de Przeworsk e autora de um livro sobre a história da família Lubomirski na cidade.
"Para uma região superpovoada que sofria de fome por não ter terras produtivas, o surgimento dessas fábricas foi extremamente importante. Ele deu novas oportunidades de emprego e de combate à pobreza e ao desemprego. É com justiça que ele é chamado de patrono da indústria nacional", complementa.
|
Usina de açúcar de Przeworsk, em 1925. Construída pelo príncipe Lubomirski, era considerada a maior da região - Foto: Zbigniew Franczukowski |
Formado em Direito pela Universidade Karolina de Praga, em 1885, Andrzej não foi apenas um empreendedor. Antes mesmo da Polônia se tornar independente, ele foi Membro do Conselho Imperial Austríaco. A Galícia, região da Polônia onde estava localizada a cidade de Przeworsk, era ocupação austríaca. A nação polaca só se tornaria independente em 1918.
Em 1919, já na Segunda República Polaca, o príncipe Andrzej foi escolhido para representar a Polônia na Conferência de Paz, em Paris, como especialista em economia. Anos depois ele ocupou o cargo de deputado no parlamento polaco.
Lubomirski também contribuiu para a preservação da cultura polaca. Entre 1885 e 1943, ele foi o curador literário do Instituto Nacional de Ossolineum, um dos maiores e mais antigos centros de pesquisas científicas da Polônia; formado por uma biblioteca, uma editora, e o Museu Lubomirski.
Ele também foi membro do conselho de administração de um orfanato para meninos em Cracóvia, presidente da Sociedade dos Músicos em Lwów, e vice-presidente do Conselho da União Central da Indústria, Mineração, Comércio e Finanças da Polônia.
Em 1928 o príncipe Andrzej foi condecorado com a Ordem da Polonia Restituta (a maior honraria do país) em reconhecimento pelos trabalhos prestados em prol da educação, ciência, esporte, cultura, arte, defesa nacional e boas relações internacionais.
|
Instituto Ossolineum, na Polônia. Depois da Segunda Guerra Mundial, a sede foi transferida de Lwów para Wrocław. Andrzej Lubomirski foi o curador do Instituto por 58 anos. |
O Terror da Guerra
Em setembro de 1939, o príncipe Andrzej, então com 77 anos, viu a Polônia ser mais uma vez invadida por uma potência estrangeira, voltavam os alemães, agora comandados pelos nazistas.
O ato foi considerado o estopim da 2ª Guerra Mundial. Dias depois, os russos, agora soviéticos, também voltaram a invadir o país.
As antigas famílias magnatas polacas tiveram suas propriedades confiscadas. As universidades, bibliotecas e igrejas foram fechadas, e o regime de terror se instalou no país que tinha reconquistado a independência havia apenas 21 anos.
Nesse período, Andrzej Lubomirski foi preso duas vezes. Uma, pelos soviéticos, em Lwów, e outra pelos alemães em Przeworsk. A historiadora polaca Bożena Figiela afirma que pouco se sabe sobre as condições em que ele permaneceu na prisão, mas o fato é que ele foi solto. "Andrzej Lubomirski recuperou a liberdade após três semanas. É possível que alguém importante tenha interferido no seu caso", explica.
Também em 1939, a filha mais velha de Andrzej, Helena Lubomirski Sierakowski foi presa pelo regime nazista junto com o marido. A filha e o genro de Helena também foram capturados. Os quatro foram torturados e assassinados. Segundo Gabriela Lubomirski Aksamit, descendente da família "Szlachertswa" (aristocracia) e que atualmente vive em Cracóvia, os corpos nunca foram encontrados. Com isso, Andrzej assumiu a responsabilidade pelos netos sobreviventes e pelas bisnetas Barbara e Izabella. Um ano depois, Eleonora Lubomirski, esposa do príncipe, morreu na França, para onde ele a havia enviado por causa da guerra.
No entanto, apesar da idade avançada e das perdas familiares, o príncipe continuou trabalhando ativamente, e se dedicou às obras de caridade. "Ele estava sofrendo dolorosamente por tudo que estava vivendo, mas logo percebeu que o destino de muitas pessoas dependia de sua provisão e energia", conta Figiela.
"Desde o início da guerra, ele foi um colaborador da Cruz Vermelha polaca. Em uma de suas propriedades foi organizada uma cozinha para atender prisioneiros de guerra, feridos e necessitados afetados pelo conflito. Dali, mais de 300 refeições foram distribuídas por dia", prossegue Figiela.
Lubomirski também fazia contínuas viagens a Cracóvia, onde ajudava a administrar um orfanato e também a Lwów e a Varsóvia, na tentativa de evitar que o Instituto Ossolineum perdesse ainda mais obras do que as que foram saqueadas pelos alemães durante a guerra. Porém, em 1943, após 58 anos como curador, ele nomeou um sucessor para o Instituto.
|
Andrzej Lubomirski brinca com a bisneta Izabella Sierakowska, por volta de 1940 - Foto: Museu Przeworsk |
Mudança para o Brasil
Em julho de 1944, Andrzej deixou Przeworsk e partiu para Mszana Dolna, uma pequena cidade ao sul da Polônia. A guerra parecia se aproximar do fim, mas o avanço das tropas soviéticas sobre o território polaco gerava total insegurança entre os cidadãos.
Além disso, assaltos e furtos em propriedades da região tinham se tornado cada vez mais comuns durante o conflito. Ele viajou em companhia do filho, Jerzy e das netas, que o convenceram a deixar a cidade. Eles não levaram nada além de umas poucas bagagens de mão. De Mszana Dolna eles foram para Cracóvia e de lá, Andrzej partiu para a França com o filho Jerzy e sua nora.
|
Cidade de Mszana Dolna a 50 km de Cracóvia, na atualidade - foto: Jadwiga Gabała |
Os outros sobreviventes da família Lubomirski também se espalharam pelo mundo. As bisnetas de Andrzej foram para o Marrocos, enquanto Maria, a filha mais nova foi para os Estados Unidos. A outra filha, Teresa, emigrou para o Quênia, na África. "Esse foi o destino trágico de todos os proprietários de terras, representantes da inteligência e da aristocracia na República da Polônia, em 1944. Eles foram tratados cruelmente, jogados fora de suas casas. Ninguém perguntou se eles tinham para onde ir ou onde morar. Eles usavam desesperadamente todos os conhecidos possíveis e vagavam de um lugar para outro", explica Katarzyna Ignas, diretora do Museu de Przeworsk.
Na França, os Lubomirski viveram em Menton (perto da fronteira com a Itália), onde a família tinha uma propriedade. Em setembro de 1952, aos 90 anos de idade, o príncipe Andrzej chegou ao Brasil em companhia do filho.
"Jerzy pretendia fazer negócios no Brasil, mas não obteve o sucesso esperado. Ele, então, voltou para Menton e deixou o pai aos cuidados da princesa Cecylia de Bourbon Duas Sicílias, que era sobrinha de Andrzej", conta Figiela.
Cecylia de Bourbon Duas Sicilias era filha do irmão mais novo de Andrzej, Kazimierz. Em 1932, ela se casou com o príncipe Gabriel de Bourbon Duas Sicílias, em Cracóvia.
Gabriel, que era tio de
Dom Pedro Henrique de Orleans e Bragança (neto da princesa Isabel e chefe da Casa Imperial Brasileira), trouxe a família para viver no Brasil no final da década de 1940. Anos depois, ele comprou terras em Jacarezinho, onde se estabeleceu como agricultor, seguido pela família Imperial Brasileira, que viveu na cidade por 14 anos.
|
Casa onde a princesa Cecylia de Bourbon viveu em Jacarezinho-PR.
Documentos apontam que foi nessa casa que o príncipe Andrzej Lubomirski morreu, em 1953
Foto: Fabiano Oliveira |
Lubomirski viveu menos de um ano em Jacarezinho. Idoso e recluso, quase ninguém na cidade o conheceu.
Dom Bertrand de Orleans e Bragança, filho de Dom Pedro Henrique e atual príncipe imperial do Brasil, vivia em Jacarezinho na época e disse ter pouquíssimas lembranças do magnata polaco. Lembra-se apenas de que havia um motorista suíço que sempre acompanhava e cuidava de Andrzej. Trata-se, provavelmente, de
Usai Giovanni. Foi ele quem declarou o óbito do príncipe no cartório de registro civil da cidade. Seu nome também aparece nos arquivos da prefeitura, onde está a matrícula do túmulo de Andrzej no cemitério municipal.
|
Cemitério Municipal de Jacarezinho |
Andrzej Lubomirski morreu em 22 de novembro de 1953. Um domingo, por volta das 16h. Um jornal polaco publicado em Londres, em 1954, descreveu como foram os últimos momentos do príncipe:
"Deus o salvou do sofrimento físico. Sentado em uma poltrona, ele adormeceu para sempre aos 91 anos de idade. Se eles escrevessem a história da Przeworsk, Andrzej Lubomirski certamente receberia um lugar de destaque como um homem bom e encantador, que ainda vive no coração de muitos que o conheceram."
Repercussão na Polônia
A notícia de que alguém no Brasil buscava informações sobre o príncipe Andrzej Lubomirski (morto em 1953, na cidade de Jacarezinho) ganhou as manchetes de inúmeros noticiários da Polônia, país onde o príncipe nasceu em 1862 e se destacou como uma personalidade importante no começo do século passado.
A primeira reportagem sobre o assunto foi publicada em dezembro do ano passado, logo após o Museu de Przeworsk e a Fundação Príncipe Lubomirski (com sede em Varsóvia) enviarem as primeiras informações sobre quem era o nobre polaco sepultado no norte do Paraná.
O jornal
Super Nowosci 24, por exemplo, trouxe a manchete
"O Túmulo de Andrzej Lubomirski encontrado no Brasil" e destacou que, após quase 70 anos, o túmulo atraiu o interesse de um jornalista brasileiro.
O portal
Rzészow Eska Info (Informações Eska de Rzészow) escreveu que
"A lápide de pedra não se parece nada com o túmulo de um nobre. No entanto, o jornalista brasileiro Fabiano Oliveira ficou tentado em saber quem era o príncipe Andrzej Lubomirski, nascido em 22 de julho de 1862."
Já o
Nowiny24 destacou que a informação de que Andrzej Lubomirski estava sepultado em Jacarezinho já era de conhecimento dos polacos. No entanto
"foi uma surpresa que alguém no Brasil, depois de tantos anos, tenha se interessando pela tumba de um príncipe da distante Polônia e se esforçado para levar essa informação à instituição de Przeworsk, a cidade de Lubomirski".
|
Tradução da manchete: Jornalista brasileiro encontrou no seu país o túmulo do príncipe Andrzej Lubomirski de Przework (fotos) |
Os noticiários também deram informações sobre a cidade onde o príncipe viveu os últimos dias. O portal
Korso24.pl explicou que "
Jacarezinho fica no Estado do Paraná, no sul do Brasil. Tem cerca de 40 mil habitantes e é reconhecida por ter um dos melhores cursos de direito do país".
O site ressaltou porém, que
"o príncipe de Przeworsk está enterrado em uma tumba modesta (...) um pouco negligenciada e esquecida".
Manchete do portal polaco Rzeszów Eska Info:
"Jornalista Brasileiro descobre tumba do Príncipe Polaco"
|
Tradução da manchete: Jornalista brasileiro encontrou a tumba do príncipe polaco |
Familiares contataram
À partir de 1944, os filhos do príncipe Lubomirski resolveram sair do país por causa da guerra. O patriarca Andrzej, junto com o filho Jerzy, se estabeleceu na França antes de vir para o Brasil em 1952.
A filha Tereza foi para o Quênia, na África; e a caçula Maria se mudou para os Estados Unidos. Hoje todos são falecidos.
Porém, no final de março,
Anthony Potulicki entrou em contato com o jornalista brasileiro. Ele é o filho mais velho de
Maria Innocenta Potulicki, a filha mais nova de Andrzej. Aos 97 anos, ele mora em Nova York e - junto com o irmão mais novo que mora no Canadá - é um dos únicos netos ainda vivos do príncipe.
|
Potulicki em foto de 1955 |
Por e-mail, recordou com carinho dos tempos em que convivia com o avô. "
Como a residência de meus pais ficava perto de Lwów (hoje Lwiw Ucrânia), eu e meus dois irmãos passávamos muitos meses nas duas residências de meus avós: inverno na cidade de Lwów e verão na cidade de Przeworsk, no sudeste da Polônia. Minha última correspondência postal com meu avô data de final dos anos quarenta, quando ele estava na Bélgica", conta.
As fotos do túmulo de Andrzej também chegaram em Nairobi, no Quênia, onde
Teresa Sapieha, de 72 anos, vive com a família. Ela é bisneta do príncipe, e também se mostrou emocionada ao saber mais sobre o último chefe de Przeworsk.
"É incrível obter informações sobre meu bisavô. Eu e minha irmã sabíamos muito pouco sobre ele. Apenas que ele foi para o Brasil e sua esposa, minha bisavó, morreu na França. Estive no Rio de Janeiro há alguns anos; perguntei sobre ele e não obtive informações", explica.
|
As três bisnetas de Andrzej Lubomirski que vivem no Quênia. Teresa Sapieha (sentada no banco do jipe), Anna Joanna Sapieha (em pé na carroceria do jipe) e Maria Gabriela Sapieha. As três bisnetas de Andrzej Lubomirski que vivem no Quênia. |
Nenhuma das bisnetas quenianas de Andrzej o conheceram pessoalmente. O pouco que sabem sobre ele provavelmente foi contado pelo pai delas, o príncipe
Eustachy Seweryn Sapieha.
|
Eustachy Sewerin Sapieha |
Eustachy era neto de Lubomirski e morreu em 2004. Em 2000 ele lançou uma autobiografia na qual revela traços da personalidade do avô:
"Pessoas como o vovô não se conhece sempre. Ele vivia com bondade e simplicidade. Ele tinha um grande talento: foi capaz de escolher funcionários inteligentes, dedicados, e talvez o mais importante - funcionários honestos. Com uma energia inacreditável e um certo poder criativo, ele conseguiu fazer de Przeworsk uma maçã dourada. Quando ele assumiu, ela não era pobre, já era uma bela propriedade. Mas foi ele quem fez dela uma das propriedades mais desenvolvidas do país".
|
Princesa Paola Maria de Orleans e Bragança Sapieha. Trineta de Andrzej Lubomirski e da Princesa Isabel do Brasil |
As reportagens repercutiram não só entre os familiares do príncipe, mas também entre os polacos. No portal
wykop.pl alguns leitores pediram que as autoridades polacas fizessem algo em relação ao túmulo do príncipe. Um deles chegou a escrever:
"Ele participou da reconstrução do país após a independência e foi premiado com a Ordem da Polônia Restituta. Isso deve ser suficiente para fazer com que a Embaixada da Polônia, no Brasil ou um museu se sintam obrigados a limpar o túmulo do homem".
Fotos