segunda-feira, 31 de agosto de 2020

Wałęsa: "Derrubei o sistema, agora é com vocês"

Há 40 anos, surgia na Polônia, o Solidariedade, movimento de trabalhadores que contribuiria decisivamente para a derrocada do comunismo e do Muro de Berlim. Em entrevista, o lendário líder sindical afirma que entregou sua vida à causa.

ENTREVISTA
Wałęsa discursa em Gdańsk em 1980

O Solidariedade (Solidarność) representava quase 10 milhões de trabalhadores e tinha como líder Lech Wałęsa. O então eletricista receberia, em 1983, o Prêmio Nobel da Paz e, em 1990, se tornaria o primeiro presidente eleito livremente na Polônia do pós-Segunda Guerra, posição da qual ele negociaria a retirada do Exército Vermelho do país.

Em entrevista ao portal da Rádio Estatal Alemã DW-Deutsche Welle, Wałęsa, hoje com 76 anos, relembra o surgimento do movimento, em 1980, como foi aos poucos atraindo a atenção internacional e diz que a luta sempre foi contra o comunismo: "Eu me propus a fazer o sistema colapsar, e o fiz. Fiz do meu jeito. Eu entreguei. Agora é com vocês."

DW: Quando foi que você percebeu as consequências que a greve de agosto de 1980 teria para a Polônia, a Europa e o resto do mundo?

Lech Wałęsa: Para ser honesto, dez anos antes. Também naquela época, em dezembro de 1970, estávamos em greve. Perdemos, mas eu disse para mim: "Deus, me dê outra chance de voltar e terminar o trabalho". Agosto de 1980 foi para mim a continuação da luta.

DW: Quem o inspirou a fazer isso?

Lech Wałęsa: A geração anterior à minha. Que sempre sonhou com uma Polônia livre, que sempre contou sobre a traição sofrida pela Polônia em 1939 e 1945. Que estava esperando por uma chance. Foi assim que eu cresci, e eu também estava esperando por uma chance. No início era uma luta individual, porque eu não tinha nenhum camarada de luta. Depois de 1980 foi mais fácil, porque eu me tornei famoso.

DW: Você se tornou conhecido graças à mídia ocidental.Você consegue se lembrar como os jornalistas ocidentais acompanharam a greve?

Lech Wałęsa: Eu sempre fui uma pessoa que tentou aproveitar as chances. No verão de 1980, um festival internacional de música foi realizado em Sopot, perto de Gdańsk. Enviamos gente do estaleiro para lá para trazer jornalistas. Um deles veio, depois contou a outros, e mais tarde fomos procurados incessantemente por jornalistas. Lembro-me que um deles me perguntou: "O que você quer com essas greves? Não há pão sem trabalho". Respondi que existem duas maneiras: você pode trabalhar para ter uma vida melhor, mas também pode lutar por uma liberdade que lhe dê mais pão.

Wałęsa em 1980 durante greve 
"Aprendi que quando se decide por algo, é preciso entregar o melhor que se pode"

DW: A revista alemã Der Spiegel daquela época cita você dizendo a um jornalista americano: "Eu não temia a derrota, temia a vitória". O que você quis dizer com isso?

Lech Wałęsa: Eu quis dizer que era muito cedo. Nós sabíamos como lutar, mas não sabíamos o que fazer com isso. A luta é mais fácil. Eu pensava que nossas elites e o Ocidente tinham um programa. E que assim que mudássemos alguma coisa, este programa seria implementado. Mas não havia nada parecido com isso.

DW: Qual foi o papel da Igreja Católica nas greves de agosto de 1980? Seria a "Wende", como os alemães chamam as mudanças ocorridas entre 1989 e 1990 na Europa, concebível sem o papa polaco?

Lech Wałęsa: Não vamos exagerar: não foi o papa que fez a revolução. Mas foi o papa que nos mobilizou. Um ano após sua eleição, ele veio à Polônia, e quase todo o povo veio a seu encontro. Os comunistas já haviam repetido antes: que oposição é essa? Quantos vocês são? De repente todos perceberam que não éramos nós, mas eles que estavam em desvantagem numérica. E deixamos de ter medo. Ao mesmo tempo, o papa disse: "Renove a face da terra". Isso nos encorajou e, um ano depois, o Solidariedade tinha 10 milhões de membros.

DW: E quando enfrentou a superioridade do regime, você realmente não teve medo?

Lech Wałęsa: Eu sabia que poderia ser liquidado a qualquer momento. É por isso que eu estava 100% comprometido. Eles poderiam ter me matado, mas não teriam me derrotado.

 Wałęsa com João Paulo II, em 1991: aliados 

DW: Você fez uma exigência audaciosa ao regime: a autorização de um grande sindicato independente. Foi a demanda mais importante politicamente de um total de 21 feitas pelos trabalhadores grevistas sob sua liderança. Dez anos antes, os comunistas haviam reprimido as greves de forma sangrenta. O que os fez agir de maneira diferente daquela vez?

Lech Wałęsa: Eles sempre quiseram nos trair. Mas daquela vez eles foram tão arrogantes que pensaram que poderiam contornar isso. Na negociação de 1989, eles também queriam nos enganar e pensavam que seriam bem sucedidos. Pensei novamente: se abrir uma brecha, colocarei a minha bota de operário na porta – e eles não poderão fechá-la. Se nos derem os sindicatos, o resto será feito. Eu não sabia na época se isso iria funcionar imediatamente, mas eu sabia que estávamos um pouco mais perto do objetivo.

DW: Apenas uma semana após o início da greve, você já era destaque nas capas das revistas mais importantes do mundo. Você percebeu que estava prestes a se tornar uma das pessoas mais famosas do planeta?

Lech Wałęsa: Eu realmente não me importava e até hoje penso assim. Eu tenho uma personalidade diferente, atípica. Fui educado no país em circunstâncias simples. Aprendi que quando se decide por algo é preciso entregar o melhor que se pode. É por isso que não pensava na minha carreira e ainda hoje é assim. Só estou fazendo o que decidi fazer.

DW: Mas você percebeu que estava criando um grande movimento, que o mundo inteiro estava falando sobre isso e que um grande jogo internacional estava começando?

Lech Wałęsa: Não. Eu estava pensando sobre o que fazer para derrotar o comunismo.

DW: Mas você já naquela época recebia a visita de líderes ocidentais. Você consegue se lembrar de seus primeiros contatos com políticos da Alemanha Ocidental?

Lech Wałęsa: Os alemães estavam curiosos sobre o que estávamos fazendo ou o que estávamos planejando. Lembro-me de uma reunião com Hans Dietrich Genscher, então ministro do Exterior. Isso foi provavelmente em Paris, em 1981. Ele veio ao meu hotel incógnito. Ele perguntou: "O que você vai fazer?" E eu lhe disse pela primeira vez: "Vamos derrubar o Muro de Berlim, vamos destruir o comunismo". Ele ficou surpreso e se recusou a acreditar nisso. Mais tarde, quando tudo isso se tornou realidade, ele me disse, em nosso último encontro: "Tenho medo de falar com você porque tudo o que você diz antes vira realidade".

Wałęsa durante entrevista à DW

DW: Mas a política oficial da Alemanha Ocidental naquela época era de fato muito restrita. Você não se ressente de que, especialmente o então governo social-democrata alemão, não tenha apoiado abertamente o Solidariedade?

Lech Wałęsa: A metade dos alemães sempre nos ajudou, a outra foi contra, porque temia os soviéticos. Mas isso foi muito bom, porque se os alemães nos tivessem ajudado demais, teriam dado um pretexto à Rússia. E assim tudo foi equilibrado.

DW: Você recebeu o Prêmio Nobel da Paz em 1983 e hoje é provavelmente o polaco vivo mais famoso do mundo. Mas na Polônia você tem não só amigos, tem também inimigos, que vieram do seu círculo mais próximo. Você foi acusado até de ter sido agente dos serviços secretos. Como você explica isso?

Lech Wałęsa: Ninguém pode entender o que eu passei. Portanto, cada um me julga à sua maneira. E muitos pensam que um eletricista sozinho nunca poderia ter feito isso. É impossível. Alguém deve ter o ajudado. Se não foram seus conselheiros, então deve ter sido a segurança do Estado. Isso é compreensível. Fiz tudo com total compromisso e honestidade, o melhor que pude. E se alguém pensa que eu era um agente, poderia ter feito um trabalho melhor que eu. E se alguém poderia ter feito, mas não o fez, é um agente e um porco.

DW: Como você vê seu lugar na história?

Lech Wałęsa: Estou no fim do meu caminho, estou muito velho. Eu me propus a fazer o sistema colapsar, e o fiz. Fiz do meu jeito. E entreguei. Agora é com vocês.

...
Wałęsa nega que foi informante de serviço secreto Instituto histórico afirma que ex-presidente e antigo líder do sindicato Solidariedade era informante do regime comunista em troca de dinheiro.

Em 2000, ele foi inocentado de acusação semelhante pela Justiça.

1982: Proibição do sindicato Solidariedade.

No dia 8 de outubro de 1982, o sindicato independente Solidarność foi oficialmente proibido na Polônia. Atrás desta atitude, escondia-se o desespero de um sistema político à beira do naufrágio.

Fonte: Deustch Welle
Texto: Bartosz Dudek

sábado, 29 de agosto de 2020

Guerra 1920 - quem foi o autor do plano de defesa de Varsóvia?

Piłsudski ou Rozwadowski?


A disputa sobre a autoria do plano da Batalha de Varsóvia ainda desperta emoções extremas. As estratégias nasceram quase simultaneamente com a vitória e sua temperatura foi alimentada por rixas políticas durante décadas. Cem anos depois, no entanto, não se deve ver a questão apenas pelo prisma dos mitos, mas ater-se aos fatos. E isso está claro, agora!

O próprio termo "Milagre no Vístula" e a data do Dia do Exército Polaco (de 1923 a 1939, Dia do Soldado), caindo em 15 de agosto, ou seja, no dia da Assunção da Bem-Aventurada Virgem Maria, carregam uma grande carga emocional. Como Norman Davies observou anos atrás:

"Em um país católico, o encanto desse dístico sempre foi irresistível. Ele verbalizou o clima que ecoou em todos os púlpitos: expressou a fé de todo católico devoto de que a terra escolhida havia sido salva pelo poder divino. Esta fé deu origem a uma série de aparições durante as quais a Madona Negra de Częstochowa, a Santa Padroeira da Pátria, desceu de uma nuvem de fogo sobre as trincheiras de Radzymin para atacar as hordas bolcheviques."


Tal interpretação foi favorecida pelo clima nas cidades, especialmente em Varsóvia, que se manifestou em numerosas procissões e missas sagradas destinadas a ajudar a derrotar o inimigo. Comandantes e políticos associados à democracia nacional, como o general Józef Haller, apoiaram essa interpretação. Foi promovido, compreensivelmente, por hierarcas da igreja.

Cruz erigida no local da morte do Padre Ignacy Skorupka em Ossów, 1933
Foto: Arquivos Digitais Nacionais, referência número 3/1/0/9/4567/2 )

O primaz Aleksander Kakowski associou o avanço da batalha, que ele acreditava ter ocorrido em 15 de agosto, com a morte de pe. Ignacy Skorupka, porque ele morreu perto de Ossów, orando por um soldado moribundo. Na verdade, o heróico sacerdote havia morrido na véspera, ou seja, em 14 de agosto, e o avanço da batalha em si ocorreu em 16 de agosto, porque a contra-ofensiva começou depois da meia-noite de 15 para 16 de agosto.

No entanto, não faz sentido minar a data de 15 de agosto pelos motivos acima mencionados, embora tais vozes também apareçam na historiografia. É um símbolo que encontra confirmação nos sucessos operacionais alcançados naquele dia em 1920. Embora não tenham sido um ponto de inflexão em termos estratégicos, sem dúvida anunciaram um avanço em favor do Exército polaco.

O 5º Exército do General Władysław Sikorski deslocou as tropas soviéticas para trás de Wkra, entrando na ferrovia Varsóvia-Działdowo e ameaçando assim a ala direita do 15º Exército inimigo, e o 1º Exército do General Franciszek Latinik recapturou Ossów e Radzymin. Isso, por sua vez, deu o tempo necessário para direcionar um ataque da linha do rio Wieprz ao grupo inimigo. 

Esta vitória é uma vitória polaca "Milagre no Vístula" também tem o outro lado da moeda. Este termo, modelado no francês "Milagre no Marne", não apenas atribuiu a vitória sobre os soviéticos a forças sobrenaturais, mas pretendia diminuir o papel do Comandante-em-Chefe, Józef Piłsudski. Isso se refletiu nas ações do conde Maurycy Zamoyski, que, por ser membro do Comitê Nacional, agradeceu oficialmente a batalha ao governo francês, vendo o principal triunfante do general Maxim Weygand.

General Maxim Weygand

Hoje sabemos que os franceses desempenharam um papel importante do ponto de vista do trabalho da equipe, mas não contribuíram em nada para a decisão de manobrar do rio Wieprz, já que empurrava o contra-ataque do norte, seguindo o padrão de Marne. O próprio interessado não escondeu, mas foi utilizado para manobras internas pelo presidente da França, Alexandre Millerand, que não podia simplesmente perder a oportunidade de multiplicar o capital político. Essas ações também foram acompanhadas pelo extremamente cínico primeiro-ministro britânico David Lloyd George. Enquanto isso, Weygand concluia:

"Esta vitória, que é a razão do grande feriado de Varsóvia, é uma vitória polaca. As operações militares antecipatórias foram realizadas por generais polacos com base no plano operacional polaco. Meu papel, assim como o dos oficiais da missão francesa, se limitava a preencher algumas lacunas nos detalhes da execução. Colaboramos com a melhor boa vontade nesta tarefa. Nada mais. Foi a heróica nação polaca que se salvou. A França tem o suficiente de sua própria glória militar e não tem direito à glória da amistosa Polônia."

Apesar disso, por muitos anos no Ocidente, a França foi vista como o principal autor da vitória em Varsóvia. Atualmente, ninguém está promovendo esta tese, já que o conflito existente nos últimos debates está centrado no tema Piłsudski-Rozwadowski.

De onde vieram as dúvidas?
Após o fim da guerra, os documentos militares foram armazenados nos Arquivos Militares, mas muitos deles permaneceram ultrassecretos, mesmo para oficiais superiores. Eles incluíam os arquivos produzidos nas proximidades do Comandante-em-Chefe e do Escritório de decifrar códigos, que operava no ramo do Segundo Estado-Maior. Isso se deve ao fato de que os soviéticos não perceberam que os polacos haviam quebrado seus códigos e conheciam o comando do Exército Vermelho. E estes não são apenas relatórios sobre a situação na frente, mas também decisões importantes sobre os planos operacionais, incluindo a Ordem de Bataille. Como resultado, relatórios diários foram preparados sobre as forças soviéticas: seus números, equipamentos e deslocamentos. Em segundo lugar, o monitoramento continuou e não foi abandonado nem mesmo durante a Segunda Guerra Mundial. 

Gen. Marian Kukiel, chefe do Escritório Histórico do Estado-Maior, acima do mapa, 1925-1926
Foto: Arquivos Digitais Nacionais, referência número 3/1/0/7/255/1 )

Enquanto preparava seu trabalho na Batalha de Varsóvia, o general Marian Kukiel, especialista em história militar, chefe do Escritório Histórico do Estado-Maior, não teve acesso a esses materiais. Ele em 1925, publicou uma obra na qual formulou uma ousada tese de que o autor do plano de Batalha de Varsóvia, e mais especificamente o pensamento estratégico da ordem de reagrupamento nº 8358, emitida em 6 de agosto de 1920 pela Divisão do 3º Alto Comando do Exército Polaco para os 4º e 3º Exércitos, não era o Marechal Józef Piłsudski, mas sim o General Tadeusz Rozwadowski.

Isso foi recebido com uma reação dura do Comandante, que havia alertado os pesquisadores da imprensa de que a documentação era enganosa, especialmente porque parte dela havia sido arquivada de forma inadequada. Após o golpe de maio, Kukiel foi afastado do trabalho no escritório histórico e se aposentou, embora uma comissão histórica especial nomeada para investigar as alegações do marechal determinou que o estudioso agiu honestamente, embora seus membros também não tivessem acesso aos documentos restritos.

Em 1927, foi criado o Instituto Histórico Militar, chefiado pelo General Julian Stachiewicz. Um ano depois, ele escreveu uma carta ao presidente do Comitê Histórico da Academia Polaca de Artes e Ciências de Cracóvia, padre Jan Fijałek (Kukiel colaborou com a PAU), no qual apontou duas questões: manuseio impróprio da documentação militar imediatamente após a guerra, colocando descrições ex-post e datas nela, e tirando conclusões erradas de Kukiel. 

O historiador-geral acrescentou à sua obra "Esboço da concentração do 1.º Exército no subúrbio de Varsóvia, desenhado pela mão do Comandante-em-Chefe, provavelmente a 5 ou 6 de agosto", acrescentando que o plano foi elaborado no Estado-Maior. Enquanto isso, Stachiewicz afirmou que o esboço foi feito pelo general Kazimierz Sosnkowski, vice-chefe do Ministério de Assuntos Militares durante a guerra, e o marechal não estava no QG no dia 5 de agosto ou na manhã do dia seguinte. Sosnkowski confirmou esta versão, e deve-se acrescentar que depois do Golpe de Maio, ele não estava nas melhores relações com Piłsudski.

Pensamento estratégico do Comandante em Chefe
Em apoio à tese de que Rozwadowski foi o autor do plano da batalha de Varsóvia, o próprio general costumava ser citado:

"Eu tinha um plano preparado para o Comandante em Chefe, que apresentei em termos gerais na reunião do Conselho de Defesa do Estado em 5 de agosto. Na noite de 5 a 6 de agosto, o comandante-em-chefe, após uma longa e animada discussão comigo, concordou em ordenar uma retirada em direção ao Vístula, com a formação de reservas em direção a Dęblin e o baixo rio Wieprz."

A linha de frente na guerra polaca-bolchevique na véspera da Batalha de Varsóvia
(fig. Halibutt , CC BY-SA 3.0)

Rozwadowski não escreveu diretamente que foi ele quem teve a ideia de uma contra-ofensiva do rio Wieprz, mas lendo sua declaração, pode-se ter essa impressão. Deve-se enfatizar que antes de escrever o artigo, Kukiel fez uma entrevista por carta com o general Rozwadowski, mas o general não se lembrou dos detalhes. Ele deu essa resposta à pergunta fundamental:

" - O conceito de despacho nº 8358 / III foi desenvolvido pelo Sr. General, foi ditado ou a redação foi atribuída a alguém?
- O primeiro conselho editorial foi então apresentado ao Marechal? 

- Resposta: o conceito desta ordem foi apresentado a mim antes do meio-dia em 6 de agosto, e as mudanças nele anotadas pelo coronel [Tadeusz] Piskor foram ordenadas por mim enquanto discutia as ordenanças aparentemente planejadas. " 

Józef Piłsudski, por sua vez, escreveu no ano de 1920, que desenvolveu ele mesmo o conceito da manobra, que pagou com grande esforço:

"Tive de lidar mais com esse fardo quando estava trabalhando por mim mesmo para extrair minhas decisões, não em algum conselho, mas em uma sala solitária no Palácio de Belvedere, na noite de 5 de agosto e à noite de 6. Existe um termo maravilhoso para o maior especialista em alma humana na guerra, Napoleão, que diz que quando começa a tomar uma decisão importante na guerra, ele é como uma menina dando à luz. […]

neste tormento terrível, não consegui suportar mais o absurdo da suposição para a batalha, o absurdo da passividade para a maioria das minhas forças reunidas em Varsóvia. O contra-ataque, em minha opinião, não poderia ser executado a partir de Varsóvia e Modlin. Em todo lugar atinge o inimigo frontalmente, contra suas forças principais, por completo [...] Tendo compilado todos os cálculos várias vezes, decidi duas coisas: retirar para o sul a maior parte de nosso 4º exército e arriscar a cobertura sul, eliminando duas divisões." 



O início da Batalha de Varsóvia (fig. Halibutt , CC BY-SA 3.0)

Além disso, o marechal lembrou o momento da chegada de Rozwadowski:
 
"Quando, na 6ª manhã, o General Rozwadowski me apresentou as ordens, ele entrou em meu escritório com um esboço como outra proposta ou combinação [o primeiro dizia respeito ao ataque de Modlin]. O esboço, na verdade, apresentava uma tentativa de decidir o que fazer com o 4º exército, quando ele teve que recuar para a seção do Vístula sem pontes e sem a possibilidade de cruzar rapidamente esta ampla partição. Neste esboço, o General Rozwadowski tentou usar o movimento retrógrado do 4º exército para concentrá-lo, pelo que me lembro, nas proximidades de Garwolin, no número de várias divisões, e assumindo que o inimigo estava claramente reunindo suas forças, em Varsóvia, atingiu este grupo concentrado ao norte, ou seja, em direção a Varsóvia. 
Rejeitei esse projeto e esse pensamento imediatamente, dizendo que duvido que mesmo a concentração fosse bem-sucedida nessas condições. O inimigo, que tem a vantagem até agora, impedirá facilmente uma mudança de frente e então o grupo concentrador deve fugir para Varsóvia ou - pior ainda - ser lançado em direção ao Vístula, o que pode terminar em um desastre para ele. Também indiquei a ele imediatamente que a maioria do 4º Exército precisava ir mais para o sul para se concentrar ali e contra-atacar."


Batalha de Varsóvia - fase II (desenho Halibutt , CC BY-SA 3.0)

Uma ótima combinação do marechal
A citação acima mostra que foi Piłsudski quem apresentou sua ideia estratégica a Rozwadowski e, em seguida, o instruiu a preparar ordens executivas. A ideia do marechal, que percebeu o vazio operacional do Exército Vermelho, decorrente da divisão de suas frentes pela Polícia, foi totalmente correta. Cortar as bases operacionais da Frente Tukhachev foi a principal pedra angular deste plano. 

Já em julho, o marechal tentou atacar o flanco esquerdo da Frente Ocidental com base na fortaleza de Brest:

O exército de cavalaria de Budyonny foi barrado na Batalha de Brody (29 de julho a 3 de agosto) com a intenção de neutralizá-la, para não ameaçar a retaguarda das divisões polacas [despacho nº 7433 / III de 9 de julho "Diretrizes operacionais para a contraofensiva"]. Esta ação terminou em fracasso devido à impossibilidade de manutenção da linha do rio Bug. Vale a pena acrescentar que o então chefe de gabinete era o General Stanisław Haller (Rozwadowski assumiu esta função apenas em 22-26 de julho). A manobra do rio Wieprz foi uma continuação dessa ideia.

Józef Piłsudski em agosto de 1920
Foto: Arquivos Militares Centrais)

Piłsudski, no entanto, tinha um dilema fundamental que precisava resolver:

"Eu condenei Varsóvia antecipadamente a um papel passivo, para resistir à pressão que foi feita sobre ela. Mas eu não queria associar a grande maioria de minha força ao papel passivo. Quando estava pensando em reduzir o elenco passivo novamente, fiquei preocupado se Varsóvia resistiria".

Nas atas das reuniões do Conselho de Defesa do Estado da tarde do dia 6 de agosto, ficava registrada a afirmação do marechal: “hoje tomei uma decisão muito séria”.

Por sua vez, após a Batalha de Varsóvia, também na reunião do ROP - Movimento de Reconstrução da Polônia, em 27 de agosto, na presença do comando, governo e oficiais franceses, Piłsudski disse:

"O Plano de Rozwadowski foi fundamentalmente alterado por mim."

No apêndice do protocolo ROP intitulado "Relato comum do General Rozwadowski e do Gen. Sosnkowski sobre a gênese da operação Varsóvia 1920 / agosto / ", foi afirmado:

"O comandante em chefe planejou um contrato maior durante as batalhas no rio Bug, mas quando se descobriu que o exército teria que se retirar até o Vístula, ele iniciou o reagrupamento relevante durante essas marchas."

Finalmente, em 15 de agosto, Rozwadowski escreveu a Piłsudski em Dęblin:

"Tenho a impressão geral de que toda a ação está se desenvolvendo muito favoravelmente e que temos condições favoráveis ​​na hora certa, como o Comandante as previu. Até agora, temia que os bolcheviques não nos atacassem com seriedade suficiente para podermos contar com um forte golpe de flanco. Enquanto isso, os eventos perto de Radzymin claramente os encorajaram, e a relutância deliberada de Sikorski também os fez ousar."

"O ataque principal das forças do Sr. Comandante acertará perfeitamente bem, e é melhor que este ataque comece amanhã de manhã, desde que haja um grupo com forças fortemente descansadas. [...] Então aqui também, de acordo com a ordem do Comandante, a implantação já está em andamento. Considero muito afortunada a coordenação das ações do 4º e do 3º Exército [...] O Sr. Comandante preparou perfeitamente o arranjo das ações do 4º Exército com o 1º." 

General Władysław Sikorski com a equipe do 5º Exército durante a Batalha de Varsóvia
Foto: Arquivo Militar Central)

Uma disputa estéril
o Despacho nº 8358 / III, que continha o plano da Batalha de Varsóvia, foi elaborado tecnicamente pelo Estado-Maior, porque essa era a sua função. A tarefa do comandante-chefe não era dar ordens operacionais aos agrupamentos táticos. No exército, o princípio do comando de um homem está em vigor, e cada comandante é responsável por sua unidade subordinada em seu próprio nível. O comandante em chefe, portanto, assumiu a responsabilidade por todo o exército, incluindo a adoção e implementação do plano de contra-ofensiva. Não foi por acaso que Piłsudski nomeou Rozwadowski chefe do Estado-Maior Geral. Em 1922, o marechal preparou um conjunto de opiniões sobre os generais polacos, onde indicou: 

"Cabeça muito capaz e orientada rapidamente. Um homem de grande experiência e inteligência viva. Sem capacidade organizacional ou administrativa. Ele se pareceria com a conhecida figura histórica de Prądzyński, fazendo vários planos um após o outro no local, sem ter personagem para realizar nenhum deles de forma consistente. Ele se ilumina facilmente com qualquer coisa, com cada pensamento, para instantaneamente mudar para outro."

Esta opinião foi confirmada nos relatórios de outros comandantes, incluindo o estado-maior húngaro do coronel Géza Dormándi. Apesar disso, Piłsudski apreciava Rozwadowski porque: 

"foi neste momento difícil para nós que ele fez muito. Escolhi-o como chefe de gabinete, não porque fosse o melhor para o cargo, mas porque era uma exceção feliz e honrada entre a maioria dos generais da época. Ele nunca perdeu sua resiliência, energia e força moral; ele queria acreditar em nossa vitória."

Gen. Tadeusz Rozwadowski 
Foto: Arquivos Digitais Nacionais, número de referência 3/1/0/7/451/1

Por fim, deve-se ressaltar que se menciona com frequência que o General Tadeusz Rozwadowski foi o autor de várias ordens que serviram de base operacional para a manobra sobre o rio Wieprz. É sobre o assim chamado "Instrução Geral de Defesa" de 4 de agosto e "Ordem" com o número fictício 10.000 / III de 8 de agosto.

Na verdade, o primeiro deles era apenas um rascunho do relatório da 3ª Divisão do Alto Comando do Exército Polaco (provavelmente pelo Coronel Tadeusz Piskor), que nem mesmo se referia à contra-ofensiva, e o segundo nunca foi incluído nas comunicações operacionais do NDWP, porque era um manuscrito de Rozwadowski contendo uma variante da ordem no. 8358 / III, e sua implementação dependia das ações do inimigo. 

O marechal assinou e autorizou o general a emitir ordens por conta própria durante a ausência do comandante-em-chefe em Varsóvia, mas ao mesmo tempo "ordenou o general Sosnkowski e o coronel  Piskor a vigiar com muito cuidado o General Rozwadowski para que [ele] não dê nenhum passo nesta área que seja incalculável e tenha consequências”. Ou seja, que o general não deveria mudar as diretrizes do despacho nº 8358 / III, que foi modificado antes, de 10 de agosto, por influência dos integrantes da Missão Militar da França e do General Józef Haller, que insistia no fortalecimento da ala Norte do exército polaco, conforme previsto no despacho 10 000 / III. Portanto, não foi o resultado da iniciativa de Rozwadowski. 

A mudança (em parte politicamente) forçada encontrou a desaprovação do marechal, pois este acreditava na altura que ela "contradizia a lógica e todas as boas leis da guerra", enfraquecendo a Frente Central, preparada para uma contra-ofensiva.

Essa crítica, no fim das contas, foi exagerada, à medida que o fortalecido 5º Exército cumpria sua tarefa, empurrando os soviéticos para trás do rio Wkra. Piłsudski, indo a cidade de Puławy para assumir o comando do grupo de manobra, entregou ao Primeiro Ministro Witos sua renúncia, prevendo em caso de derrota que a Entente exigiria sua renúncia. Witos escondeu o documento em um cofre. 

Bibliografia
- CAW-WBH, ref. I.400.3458.
- BAŃBOR, Jan, Maneuver from the Wieprz River, "Rocznik Mińsko-Mazowiecki", vol. VII, 2001, pp. 58-80.
- Batalha de Varsóvia, vol. 2, Bitwa nad Wisłą, 7.VII - 12.VIII.1920 , ks. 1, parte 1, Editora Militar Principal, Varsóvia, 1939.
- Batalha de Varsóvia, vol. 2, Batalha do Rio Vístula, 7 de agosto - 12 de agosto de 1920 , ks. 1, parte 2, Documentos, Editora Militar Principal, Varsóvia, 1939.
- DAVIES, Norman, White Eagle, Red Star. A Guerra Polaco-Bolchevique 1919-1920, Znak, Cracóvia 1998.
- GARLICKI Andrzej, Józef Piłsudski 1867-1935, Czytelnik, Varsóvia 1990. Tadeusz Krząstek, Conceitos e planos da contra-ofensiva polaca contra a Frente Ocidental por Mikhail Tukhachevski em 1920, "Rocznik Mińsko-Mazowiecki", vol. 7 (2001), pp. 9–31.
- NIEWĘGŁOWSKA, Facts and Myths in the Polish-Russian War of 1919-1921 , [in:] Da Batalha de Varsóvia ao Tratado de Riga, ed. Tadeusz Skoczek, Museu da História do Movimento do Povo Polaco - Museu da Independência, Varsóvia 2014.
- NOWIK Grzegorz, antes do "Enigma" ser quebrado ... Inteligência de rádio polaca durante a guerra com a Rússia bolchevique 1919-1920, vol. 2, RYTM, Varsóvia 2010.
- EIECZMKOWSKI Janusz, The Battle of Warsaw 1920, Mazowiecki Centre for Scientific Research, Warsaw 1990.
- idem, Józef Piłsudski. Wódz i político, MON Publishing House, Varsóvia 2007.
- Por independência e fronteiras. Anúncios da 3ª Divisão do Comando Supremo do Exército Polaco 1919-1921, ed. Marek Jabłonowski, Adam Koseski, Universidade de Varsóvia. Faculdade de Jornalismo e Ciência Política - Pułtusk University of Humanities, Warsaw-Pułtusk 1999.
- PIŁSUDSKI Józef, 1920 , [em:] Collective Pisma. Józef Piłsudski, introdução Józef Moszczeński, vol. 7, Instituto Józef Piłsudski, Varsóvia 1937.
- Índice de autoridades Militar 1918 - 1921, os deputados Militar Escritório histórico, Varsóvia 1936. 
- STAWECKI Piotr, General Marian Kukiel como chefe do Bureau Histórico do Estado-Maior Geral e seu conflito com o Marechal Józef Piłsudski em 1925, Przegląd Historyczny, 78 (1987), no. 3, pp. 493–516. 
- Generais polacos na opinião do Marechal Piłsudski, introdução de Andrzej Czesław Żak, CAW Publishing House, Varsóvia 2012.
- STRYCHALSKI Jerzy Strychalski, A disputa sobre a autoria do plano da Batalha de Varsóvia de 1920, "Military Historical Review", 35 (1990), no. 1-2, pp. 3-40.
- TARCZYŃSKI Marek, Milagre no Vístula. Bitwa warszawska 1920, Publishing Institute of Trade Unions, Varsóvia 1990.
- Bolesław Waligóra, Bój nos arredores de Varsóvia em agosto de 1920, Oświęcim 2015.
- WYIEŻSKI Lech, The Battle on the Outskirts of Warsaw (agosto 13-25, 1920) - Facts, Myths, Interpretations , "Szkice Podlaskie", No. 9 (2001), pp. 105-122.
- idem, The Warsaw Operation August 1920 , Bellona, ​​Warsaw 2005. 

Texto: Maciej A. Pieńkowski
Tradução e adaptação para o português: Ulisses Iarochinski

quinta-feira, 20 de agosto de 2020

A Polônia dos pintores polacos de origem judaica

Os judeus viveram na Polônia por mil anos. Criaram uma comunidade e uma cultura vibrantes que foram tragicamente interrompidas pela Segunda Guerra Mundial.
  
Judeus Orando na Sinagoga no Dia da Expiação' por Maurycy Gottlieb, 1878,
foto: Wikimedia Commons

O artista por trás dessa pintura, Maurycy Gottlieb, é descrito como "o representante mais proeminente da cultura judaica", na Polônia, na segunda metade do século XIX. O imensamente talentoso Gottlieb nasceu em 1856, na cidade de Drohobycz, (hoje na Ucrânia) e estudou com o célebre pintor histórico Jan Matejko. Apesar de ter morrido com apenas 23 anos - devido a complicações após uma cirurgia na garganta - Gottlieb tornou-se um dos pintores mais importantes da Polônia, conhecido por suas referências estilísticas a Rembrandt e profundo interesse pela história e cultura judaica.

A pintura de 1878 Żydzi w Bożnicy (Judeus orando na sinagoga no Dia da Expiação) está entre as obras mais conhecidas de Gottlieb. Mostra um grupo de fiéis em uma sinagoga durante o feriado de Yom Kippur, que é "o dia da expiação e jejum, considerado o mais sagrado e o mais solene dia do ano no calendário judaico", de acordo com o Instituto Histórico Judaico.

Diz-se que a obra impressionante de Gottlieb mostra o interior da sinagoga, não mais lá, em sua cidade natal. Muitas das figuras masculinas na pintura usam talit ou xales de oração tradicionais. Curiosamente, o artista se retratou entre os personagens aqui, e mais de uma vez: 
  
" O próprio Maurycy está de pé, em um talit colorido de aparência exótica, com a cabeça na mão. À esquerda, temos o artista ainda menino, usando um medalhão com suas iniciais escritas em hebraico. Na extrema direita está uma jovem figura masculina, talvez novamente Maurycy, lendo o livro de orações ao lado de um homem que bem poderia ser seu pai." 
"Do livro de 2002 'Pintando um Povo: Maurycy Gottlieb e a Arte Judaica' de Ezra Mendelsohn, publicado pela UPNE."

'Sucot' por Leopold Pilichowski

'Sukkot' por Leopold Pilichowski, 1894-1895, foto: Wikimedia Commons

Pouco depois do Yom Kippur, que ocorre no outono, os judeus religiosos celebram o feriado de uma semana de Sucot. Eles comemoram a jornada de 40 anos dos israelitas pelo deserto, que os trouxe do Egito para a Terra Prometida.

O feriado tem como tema Sukkot, uma pintura criada por Leopold Pilichowski entre os anos de 1894 e 1895. Pilichowski, um importante artista polaco de origem judaica, nasceu em 1869 na vila de Rzeczyca, perto da cidade de Sieradz, e estudou pintura com o aclamado pintor realista Wojciech Gerson. Pilichowski se tornou também um pintor realista, que frequentemente empregava temas judaicos em sua arte.

Na época da criação de Sucot, Pilichowski morava em Łódź , então é muito provável que esta esplêndida pintura mostre uma cena daquela cidade. Na obra, pode-se ver um grupo de homens em uma sinagoga. O da esquerda está examinando um lulav ou um buquê festivo tradicional composto por folhas de palmeira, brotos de salgueiro e murta, que é agitado durante certas orações de Sucot. No centro da pintura, pode-e contemplar um adorador segurando um etrog ou uma fruta semelhante a um limão, que também é agitado (ou segurado) durante as cerimônias de Sucot. 


'Bênção da Lua Nova' por Artur Markowicz

'Bênção da Lua Nova' por Artur Markowicz, 1933, foto: Wikimedia Commons

Esta bela peça mostra outra cerimônia judaica:
"Uma bênção de agradecimento (oração) pelo reaparecimento da lua no céu. Pode-se dizer, a partir da terceira noite após o aparecimento da lua [...] até ficar cheia. [...] A bênção é geralmente dita no final do Shabat, após as orações da noite (maariv), ao ar livre, por exemplo em frente à sinagoga, quando a lua está claramente visível."  (Citado do site do Instituto Histórico Judaico, trad. MK) 

Poświęcenie Nowiu Księżyca (Bênção da Lua Nova) foi criada pelo famoso pintor Artur Markowicz em 1933. O artista nasceu, em 1872, na cidade de Podgórze (que se tornou parte de Cracóvia em 1915) e estudou com Jan Matejko. Markowicz viveu em Cracóvia por muitos anos, muitas vezes retratando seus habitantes polacos de origem judaica. A obra de arte em questão pode muito bem mostrar uma cena da cidade ou de sua área.

Markowicz é especialmente valorizado por seu uso habilidoso de cores. Em Blessing of the New Moon, ele contrastou de forma fabulosa o preto das vestes das figuras retratadas com o azul da noite envolvendo toda a cena.

'The Final Hour of Rabbi Eleazar' por Jankiel Adler

'The Final Hour of Rabbi Eleazar' por Jankiel Adler, 1918-1920,
foto: cortesia de Muzeum Sztuki em Łódź

Esta obra de arte intrigante foi criada pelo excepcional pintor Jankiel Adler, que nasceu em 1895 na cidade de Tuszyn. Ao longo dos anos, o estilo de pintura de Adler evoluiu, mudando do expressionismo para o cubismo e, mais tarde, para o abstracionismo. A pintura aqui, criada entre os anos 1918 e 1920, numa época em que o artista fazia uso do expressionismo e era fascinado pelo misticismo hassídico e pelo folclore judaico.

Ostatnia Godzina Rabiego Eleazara (A hora final do rabino Eleazar) mostra o momento da morte de um rabino cercado por sua família. Suas figuras alongadas e efêmeras parecem fazer referência às obras de El Greco.

"O caráter espiritual da cena é transmitido pelos olhos semicerrados dos personagens. As faces são mostradas esquematicamente. Atrás do rabino um anjo da morte aguarda o momento certo para levá-lo para o outro lado; podemos ver o anjo dando o beijo final no rabino, antes de levá-lo ao trono do Criador. Na tradição judaica, os anjos acompanham cada pessoa durante toda a sua jornada terrena. Eles são um sinal da presença diária de Deus perto do homem. [...] O chamado deles é cumprir os mandamentos de Deus." Da descrição polaca de 'The Final Hour of Rabbi Eleazar', trad. MK

A pintura fazia parte da coleção de Muzeum Sztuki em Łódź, mas foi roubada de lá em 1981 e está desaparecida desde então.

'Família Judaica Fazendo Brinquedos' por Mojżesz Rynecki

'Jewish Family Making Toys' por Mojżesz Rynecki, sem data,
foto: Wikimedia Commons

Religião e espiritualidade eram tópicos importantes para os pintores polacos de origem judaica, mas também o era a vida secular. Esta encantadora pintura, cuja data exata de criação é desconhecida (acredita-se que seja antes de 1939), mostra uma família fazendo brinquedos juntos no que parece ser sua casa. Os brinquedos fabricados muito provavelmente serão colocados à venda na loja da família ou na barraca do mercado.

Rodzina Żydowska Robiąca Zabawki (brinquedos para a família judaica) foi feito por Mojżesz Rynecki, um pintor reconhecido nascido em 1881 na cidade de Międzyrzec Podlaski. Rynecki estudou na Academia de Belas Artes de Varsóvia e muitas vezes pintou cenas de gênero mostrando a vida cotidiana das comunidades judaicas polacas. Freqüentemente, ele retratava pessoas no trabalho, em paisagens urbanas ou em casa (embora se deva acrescentar que também empregou temas religiosos).

"Suas obras são caracterizadas por esquemas de cores vivas e vivas, contornos lineares fortes, deformações e expressões das figuras muitas vezes retratadas de forma quase caricatural." Do site do Instituto Histórico Judaico, trad. MK


Infelizmente, Rynecki foi assassinado, em 1943, no campo de extermínio nazista alemão de Majdanek

'Rua Fiddler' por Herszel Danielewicz

'Street Fiddler' por Herszel Danielewicz (Harry Daniels), sem data, 
foto: Instituto Histórico Judaico

A vida cotidiana também é mostrada nesta obra pelo valorizado ilustrador e pintor Herszel Danielewicz. Parte de uma série de litografias sem data intitulada Z Dawnego Życia Żydów (Da Vida Passada dos Judeus), retrata maravilhosamente uma performance de rua dada por um músico folclórico itinerante. Os curiosos aldeões se reúnem ao seu redor para testemunhar sua atuação.

Danielewicz nasceu na aldeia de Koło perto de Łódź em 1882 e cresceu lá. Sua arte, que foi descrita como realista e social, muitas vezes retratou a vida da comunidade judaica polaca em sua aldeia natal . É bem provável que a cena mostrada em Uliczny Skrzypek (rua Fiddler) se passe em Koło. Em 1939, Danielewicz mudou-se para a América, onde se tornou conhecido pelo nome inglês Harry Daniels.

'Dybbuk' por Henryk Berlewi


'Dybbuk (Chonon & Lea)' por Henryk Berlewi, 1920,foto: polswissart.Aqui está uma obra de arte que aponta para uma parte importante da vida artística judaica polaca antes da guerra. Em 1920, o Elizeum Theatre, em Varsóvia, sediou a estreia mundial da peça The Dybbuk, ou Between Two Worlds, escrita pelo dramaturgo polaco de origem judaica Szymon Anski. Encenada em iídiche, a peça se tornou extremamente popular entre o público de origem judaica e foi traduzida para outras línguas e apresentada no exterior. 

Depois de saber que sua amada foi prometida a outro homem, Chonon morre atingido por uma força sobrenatural. Acontece, porém, que ele aparece no casamento de Lea e entra em seu corpo como um dybbuk - um demônio do folclore.

" O amante indignado assume o controle do corpo da garota; um tsaddik de Miropol tenta expulsá-lo. Ele consegue, mas acontece que o destino de Lea e Chonon já havia sido selado antes de seu nascimento por um acordo entre seus pais. Os homens decidiram que, se algum dia gerassem um menino e uma menina, os filhos se casariam. Eventualmente, o dybbuk de Chonon assume o corpo de Lea novamente. Ela morre e se junta ao seu ente querido na vida após a morte."  (Citado em 'Dybuk - Metafora Polsko-Żydowskiej Pamięci' em histmag.org, trad. MK)

A litografia Dybuk (Chonon i Lea), cujo título simplesmente significa 'Dybbuk (Chonon & Lea)', foi criada, em 1920, pelo renomado pintor e crítico de arte Henryk Berlewi como um pôster da peça citada. Berlewi nasceu, em 1894, em Varsóvia, e estudou na Academia de Belas Artes local. Seu magnífico pôster mostrando os principais personagens da peça de Anski testemunha seu fascínio inicial pelo expressionismo e Marc Chagall. Mais tarde, em sua carreira artística, Berlewi se voltou para a vanguarda.

'Art Colony of Kazimierz Dolny' por Chaim Goldberg

'Art Colony of Kazimierz Dolny' por Chaim Goldberg, 1974, foto: chaimgoldberg.com

Finalmente, temos uma pintura colorida que também se refere à vida artística judaica polaca na Polônia entre as guerras. Mostra a pitoresca cidade de Kazimierz Dolny, que nos tempos anteriores à guerra era um shtetl, ou seja, a cidade natal de uma grande comunidade judaica. Devido à sua arquitetura encantadora e arredores naturais, a cidade se tornou um destino popular para pintores do pré-guerra, incluindo muitos artistas polacos de origem judaica. A cidade ganhou a reputação de colônia de arte; o escritor Jacob Glatstein, que veio da América para Kazmierz Dolny em 1934, escreveu em seu livro When Yash Set Out : 'Em Kazimierz, cada terceira pessoa é um pintor.'

A atmosfera da cidade como um paraíso para pintores é o tema da Art Colony of Kazimierz Dolny de 1974, do eminente pintor e escultor Chaim Goldberg. Goldberg nasceu em Kazimierz, em 1917, e estudou na Academia de Belas Artes de Varsóvia. Ele frequentemente retratou sua cidade natal em suas pinturas, mesmo depois de deixar a Polônia, em 1955, para viver em Israel e mais tarde na América. A pintura é executada em um estilo expressivo que mostra a atenção de Goldberg aos detalhes.

Fonte: culture.pl
Texto: Marek Kępa
Tradução e adaptação para o português: Ulisses Iarochinski

segunda-feira, 17 de agosto de 2020

OS CEM ANOS DA GUERRA POLACA-RUSSA DE 1920


Batalha de Varsóvia é uma das mais importantes da história e também sobre de como a Polônia venceu um exército russo muito mais poderoso. 700 mil russos contra 300 mil polacos.

A vitória aconteceu em, 15 de agosto, coincidentemente dia da Assunção de Nossa Senhora. Data que para o fervoroso católico polaco é reconhecida como mais um dos milagres da padroeira Nossa Senhora de Częstochowa (pronuncia-se tchenstorróva).

Para muitos, a Polônia é um país com uma história trágica. E, claro, muito de sua história recente é brutal e dolorosa.

No entanto, há muito mais heroísmo da Polônia do que apenas a do papel de vítima dos impérios austro-húngaro, prussiano e russo no século XIX, ou dos nazistas alemães e russos soviéticos no século XX.

A Polônia também tem uma longa história de conquistas que se estende por mil anos. A nação foi a guardiã que manteve a civilização ocidental, por séculos, a salvo dos exércitos quase invencíveis de mongóis, tártaros e turco-otomanos.

As legiões de hussardos polacos, liderados pelo rei polaco marechal Jan III Sobieski, impediram o avanço dos exércitos muçulmanos após o cerco de Viena e fuga do imperador austríaco, em 1683.

Por esse feito, o Papa aclamou a Polônia como salvadora da cristandade ocidental. A vitória na Batalha de Varsóvia ou o Milagre no Vístula é mais um dos tantos episódios na história de luta do povo polaco para reafirmar sua existência.

Cartaz russo: Bolchevique atrás do magnata sarmata polaco

Em 1917, os bolcheviques derrubaram o Tzar na Rússia enquanto o mundo se debatia na Primeira Grande Guerra Mundial e a febre espanhola grassava no mundo.

Lenin ao retornar do exílio a São Petersburgo imediatamente convocou uma revolução europeia para todo o continente. Nos meses seguintes, os bolcheviques consolidaram seu poder internamente, com Trotski enfatizando repetidamente a necessidade de terror e violência para derrubar a velha ordem e garantir o sucesso da revolução. Como ele dizia, “precisamos organizar a violência no interesse do povo”. O Terror Vermelho varreu a Rússia Soviética enquanto a polícia secreta, a Tcheka, realizava matanças em massa. Logo depois, os soviéticos estabeleceram campos de concentração administrados pela Tcheka, que viria a ser o Gulag.

A nova ordem revolucionária pretendia trazer igualdade e liberdade ao povo russo. Em vez disso, trouxe terror, genocídios, campos de trabalho escravo e morte pela fome.

O país estava mergulhado em uma guerra civil, enquanto os pró-bolcheviques, também reconhecidos como “vermelhos” lutavam contra os antibolcheviques “brancos”. Nada muito diferente do longo período monárquico. De invasões e ocupações de territórios estrangeiros. Um deles, a Polônia que já tinha se tornado república em 1560.

Em 1920, os brancos estavam quase derrotados, Lenin, e principalmente Trotski, sentiu a chance de espalhar a Revolução para o resto da Europa. A Europa estava em frangalhos, cansada pela Primeira Guerra Mundial e, em muitos lugares, a atmosfera estava pronta para a revolução socialista europeia.

Cartaz russo: Lenin manda o povo à luta

Entretanto, no caminho para a Europa estava a velha Polônia, a primeira república do mundo pós-idade média e que havia recuperado sua independência. E confirmada pelo Tratado de Versalhes após 123 anos de invasão e ocupação de seu imenso território. Nos séculos 15, 16 e 17, a República Polaca foi o maior país do planeta.

Lenin acreditava que a invasão da Polônia levaria o proletariado polaco a se levantar e apoiar as tropas russas. Mas aconteceu justo, o contrário, todo o país se mobilizou para deter o avanço soviético. A forte fé católica dos polacos que os manteve protegidos das promessas do comunismo, ou talvez, o fato de um terço de seu país ter sido ocupado por mais de um século pelos russos significasse que eles não sabiam de nada, que apenas compreendiam a miséria, brutalidade que vinha do Oriente e o consequente êxodo de seus camponeses para o Brasil, Estados Unidos, Argentina, Peru e México.

Os soviéticos avançaram, com firmeza, liderados pelo general Mikhail Tukhachevsky, que planejava cercar a capital polaca. A propaganda bolchevique anunciava que a queda de Varsóvia era iminente e que as revoluções comunistas começariam na Alemanha e avançariam para outros países europeus.

O grande derrotado: Mikhail Tukhachevsky

Em uma ordem de 20 de julho, Tukhachevsky declarou: “Para o Oeste! Sobre o cadáver da Polônia está o caminho para a conflagração mundial. Avante para Berlin sobre o cadáver da Polônia!”

Nikolai Bukharin escreveu com entusiasmo sobre levar a guerra “até Londres e Paris”. Uma coisa era certa: os bolcheviques acreditavam que invadiriam a Europa depois da queda da Polônia.

Os polacos enfrentariam a grande ameaça mais uma vez sozinhos, sem aliados, e sabiam que a continuação de sua existência dependia da liderança do marechal Piłsudski. Foi ele quem organizou a contraofensiva e, no dia 15 de agosto, com sucesso e talvez até milagrosamente deteve o avanço dos soviéticos na Polônia.

A vitória foi surpreendente para muitos e como a batalha aconteceu no dia 15 de agosto, coincidiu com Festa Católica da Assunção de Maria, a vitória foi chamada de “Milagre no Vístula”.

Pode não ser coincidência que uma parte da vitória polaca tenha sido baseada no fato de que os decifradores polacos tornaram um dos receptores de rádio soviéticos inúteis ao transmitir o Livro de Gênesis sem parar durante vários dias cruciais, interrompendo a comunicação crucial para partes do Exército russo, mas de fato isso também aconteceu.

Os polacos se mantiveram firmes contra os soviéticos até a II Guerra Mundial, como tinham sido antes contra os Romanov. Eleições fraudulentas comandadas por Stalin selaram a sorte da Polônia com a cumplicidade do inglês Churchill e do americano Trumann, país que em 1949, voltou a ser tutelado pela Rússia, agora como um dos países satélites da União Soviética.

Após a derrota, Lenin admitiu que esta tinha sido uma “enorme derrota” para a Rússia Soviética, e abandonou os planos de Trotski de exportar a revolução comunista e se concentrou em consolidá-la internamente.

O historiador britânico Norman Davies, casado com uma polaca, talvez seja o intelectual do Ocidente que melhor entendeu a nacionalidade polaca e a Polônia. Em seu livro (dois volumes) de mais de mil páginas, “God’s Playground – a history of Poland” escreveu sobre a recuperação da independência da Polônia (p. 291 a 321) e a guerra de 1920. Davies relacionou algumas das opiniões da época:

Molotov chamou o país de Copérnico de “o bastardo monstruoso da Paz de Versalhes”, enquanto Stalin chamou a independência de “perdoe a expressão, um Estado”.

Outra frase famosa foi dita J.M. Keynes, o teórico do capitalismo moderno, que disse: “uma impossibilidade econômica cuja única indústria é a caça aos judeus”.

Lewis Namier chamou o caso da recuperação da Independência polaca de “patológica”.

Por sua vez, E.H. Carr chamou de "uma farsa".

David Lloyd George falou de "um fracasso histórico", e que a Polônia havia "conquistado sua liberdade não por seus próprios esforços, mas pelo sangue de outros", e também de um país que "impôs a outras nações a própria tirania" pela qual tinha suportou por anos. “A Polônia”, disse ele, “embriagou-se com o vinho novo da liberdade que lhe foi fornecido pelos Aliados”, e “fingiu-se de amante da resistência da Europa Central”.

Lord David Lloyd George

Em 1919, Lloyd George disse que não daria o território ocupado da Alta Silésia para a Polônia pois seria como “dar um relógio a um macaco”. Em 1939, George anunciou que a Polônia “mereceu seu destino”.

Adolf Hitler chamou a Polônia de “um Estado que surgiu do sangue de incontáveis ​​regimentos alemães”, e acrescentou ainda, “um Estado construído na força e governado pelos cassetetes da polícia e dos militares”. Além de frases jocosas como “um Estado ridículo onde… bestas sádicas dão vazão à perversidade de seus instintos”, “um Estado gerado artificialmente”, “o cão de estimação das democracias ocidentais que não pode ser considerada uma nação culta”, “um chamado Estado sem qualquer fundamento nacional, histórico, cultural e moral ”.

É de se perguntar: Que nacionalismo, que história, que cultura e que moral a quase “besta do apocalipse” podia se jactar.

Norman Davies retruca a cada uma daquelas alegações: “A coincidência desses sentimentos e de sua fraseologia é inconfundível. Raramente, ou nunca, um país recém-independente foi sujeito a abusos tão eloquentes e gratuitos. Raramente, ou nunca, os liberais britânicos foram tão descuidados com suas opiniões ou companhia”.

O historiador explica que “a República da Polônia surgiu, em novembro de 1918, por um processo que os teólogos poderiam chamar de partenogênese. Criou-se no vazio deixado pelo colapso de três potências invasoras. Apesar da afirmação de Molotov, o país não foi criado pela Paz de Versalhes, já que apenas confirmou o que já existia e cuja provisão territorial se limitava a definir a fronteira apenas com a Alemanha. Não era o Estado cliente que os governos aliados estavam se preparando para construir em 1917-18, em colaboração com o Comitê Nacional de Dmowski, em Paris. Não era um Estado que os bolcheviques esperavam construir como sua ponte vermelha com a Alemanha revolucionária. E não foi a Polônia o fantoche que a Rússia, a Alemanha e a Áustria propuseram de várias maneiras ao longo da Grande Guerra. Não devia sua procriação a ninguém, nem mesmo aos próprios polacos, que, lutando com distinção em todos os exércitos combatentes, foram obrigados a se neutralizar como força política”.

A reconquista de seu território que permaneceu ocupado desde 1793 e sob as influências nefastas da Prússia-Alemanha e da Rússia-URSS deveriam ser delimitadas pelas linhas dos rios Narew, Vístula e Bug.

Nem a recuperação da independência e nem a Cúpula de Versalhes deram a paz sonhada pela Polônia.

Entre os anos de 1919 a 1924, os polacos tiveram que travar outras guerras com nacionalidades que milenarmente viviam em seu território livre, monárquico e/ou republicano, e que agora também desejavam um Estado Independente.

A Polônia se envolveu nas guerras por definição de fronteiras com a Alemanha, com a Tchecoslováquia (recém criada), com a Lituânia, com a antiga Prússia-pomerana, com a Rutênia (que nascia com o nome de Ucrânia).

Os acordos de paz, em Riga, capital da Letônia não frearam as ideias de Trotski e Lênin a respeito da Polônia. Numa coisa coincidiam os bolcheviques e os monárquicos Romanov, a Polônia deveria permanecer um quintal da Rússia. Os russos nunca esqueceram que a Cidade-Estado de Moscou (antes da existência do Reino da Rússia) foi polaca durante o século 15. Aliás, foi da luta dos Romanov para expulsar a República da Polônia, que nasceu o Reino da Rússia.

Mesa de negociações em Riga

Mas de todas aquelas batalhas e guerras pela definição de seu território no século XX, a mais grave foi a Guerra com a URSS (também em formação), que por si só ameaçava a existência da República polaca. 

Aquela guerra pouco mencionada nos livros de história foi uma prova de fogo que deixou uma marca duradoura no coração dos polacos.

A guerra polaca-soviética teve implicações muito além daquelas que a maioria dos livros conta. Ela não estava relacionada à Guerra Civil Russa, que ocorreu simultaneamente em outras frentes. Também não foi travada pelos polacos como parte da Intervenção Aliada, na Rússia, e não pode ser descrita como “A Terceira Campanha da Entente”.

Para o governo do marechal Józef Piłsudski, que naturalmente, preferia os bolcheviques aos brancos da Rússia, a Polônia lutou para manter também a independência das áreas não-russas do antigo Império Tzarista.

Marechal Józed Piłsudski

Por sua vez, para o governo de Lenin aquela luta era necessária para recriar o Império. Mas, segundo ele, deveria ter uma aparência socialista e mais que tudo, era urgente espalhar a Revolução para os países capitalistas avançados da Europa Ocidental.

A causa da guerra também pode ser considerada pela retirada dos alemães da zona intermediária de ocupação, a chamada linha do rio Odra, em fevereiro de 1919, e que continuou sem interrupção até 12 de outubro de 1920. Para muitos, esta retirada foi que animou Trotski a invadir a Polônia, mais uma vez.

A Guerra Soviética contra a II República da Polônia também pode ser explicada pelo surgimento da uma primeira escaramuça, não planejada, que ocorreu em Bereza Kartuska, na Bielorrússia, em 14 de fevereiro de 1919.

Numa primeira fase, ainda em 1919, a iniciativa guerreira estava com os polacos. A cidade natal de Piłsudski, a polaca cidade de Vilno tinha sido recuperada, em abril, e a também polaca Minsk foi tomada em agosto. No entanto, no outono, apesar dos apelos urgentes da Entente, o apoio polaco ao avanço dos Brancos de Denikin contra Moscou foi expressamente negado. As negociações de paz fracassaram devido a suspeitas mútuas sobre o futuro da Ucrânia.

Cartaz polaco: "Mate Bolchevique

1920 marcaria o auge do confronto. As ações bélicas se expandiram dramaticamente. Mais de um milhão de homens foram colocados no front de movimento que se estendia desde a Letônia, no Norte, até a Romênia, no Sul.

A partir de janeiro, o Exército Vermelho sob a inspiração de Trotski estava armando uma enorme força de ataque com 700.000 homens, em Berezina.

Em 10 de março, o comando soviético, finalmente, deu ordens para uma grande ofensiva para o Oeste sob o comando do general Mikhail Tukchachesky, um jovem revolucionário de apenas 27 anos de idade.

Mas o polaco Piłsudski cortou esses preparativos pela raiz. Um forte ataque a Mozyrz, em março, e a ousada marcha sobre Kiev lançada em 24 de abril, além da feroz batalha de Berezyna, em maio, serviram para atrasar o avanço soviético.

Com a chegada do verão, a sorte mudou. O Primeiro Exército de Cavalaria de Budyonny abriu caminho por dentro das linhas polacas na Galícia (que havia sido província de ocupação austríaca) em junho e, em 4 de julho, Tukachevsky literalmente fugiu de Berezina.

"Para o Oeste!", era a ordem do dia que correu. “Sobre o cadáver da Polônia Branca está o caminho para a conflagração mundial”. No início de agosto, cinco exércitos soviéticos estavam se aproximando dos bairros da periferia de Varsóvia. A situação polaca era crítica. A intervenção diplomática aliada não conseguia produzir um armistício. A linha de fronteira proposta pelo governo britânico, a chamada Linha Curzon”, tinha sido rejeitada tanto pelos polacos quanto pelos soviéticos.

Os britânicos se recusaram a dar assistência militar à Polônia, apesar de sua clara obrigação de fazê-la. Os franceses se recusaram a reforçar sua pequena missão militar. Os créditos militares franceses para a Polônia foram encerrados. Uma campanha de propaganda vociferante, sob o slogan “Tirem as mãos da Rússia”, desorientou a opinião mundial, na época, em que a Rússia Soviética impunha violência à sua vizinha Polônia.

Cartaz russo: Os bolcheviques apresentaram a Polônia como um capanga da Liga das Nações. No pôster, a personificação da Liga dá armas aos polacos e aos bolcheviques sanções econômicas

Os diplomatas de Lenin pregavam a paz, enquanto seus generais praticavam a guerra. Os estivadores alemães em Gdańsk (ainda não tinha sido reconquistada pelos polacos) e os ferroviários tchecos, em Brno, planejaram atrasar os suprimentos estrangeiros, pelos quais a Polônia tinha pagado em dinheiro vivo. Em agosto, os “cossacos vermelhos” de Ghai cruzaram o Vístula a Oeste de Varsóvia.

O cenário na capital polaca estava estranhamente calmo. Embora a polícia tivesse feito várias prisões preventivas, suspeitando que setores da classe trabalhadora ou de pessoas de origem judaica pudessem nutrir simpatias comunistas, os habitantes não demostravam nenhuma inclinação para receber de volta os cruéis russos.

A antiga seção militar do PPS – Partido Polaco Socialista foi revivida e assumiu a liderança nas atividades do Conselho de Defesa da Capital (ROS) composto por todos os partidos. Diante do inimigo comum, as divisões partidárias foram esquecidas. Os Batalhões de Trabalhadores brandindo cajados e foices marcharam para se juntar ao exército na companhia de cidadãos da classe média que haviam desfilado anteriormente com barqueiros e aviadores.

Lord D'Abernon, o embaixador Britânico em Berlim, que testemunhou os preparativos “in loco”, ficou surpreso com a indiferença de uma cidade prestes a ser invadida e fez um relatório, dia após dias, daqueles momentos vividos em Varsóvia:

Ministro britânico Edgar Vincent D' Abernon

“- 26 de julho - Continuo a me maravilhar com a ausência de pânico, com a aparente diminuição de toda ansiedade. Se um sistema de defesa metódico fosse organizado, a confiança do público poderia ser compreendida, mas todas as melhores tropas estão sendo enviadas para Lwów, deixando Varsóvia desprotegida.
- 27 de julho - O primeiro-ministro, um camponês proprietário de terras saiu hoje para fazer sua colheita. Ninguém acha isso extraordinário.
- 2 de agosto - A despreocupação das pessoas aqui é inacreditável. Alguém poderia imaginar os bolcheviques a mil milhas de distância e o país sem perigo.
- 3 de agosto - Expedição subiu para a estrada de Ostrów ... Curiosamente, a maioria das pessoas que vi colocando arame farpado eram de origem judaica ....
- 7 de agosto - Visitei esta tarde a proposta de nova frente na direção de Minsk Mazowiecki. Um emaranhado de arame farpado triplo está sendo colocado ao redor de Varsóvia em um raio de 20 km, e um certo número de trincheiras foram cavadas ... 
 13 de agosto - Há poucos alarmes. As classes altas já deixaram a cidade, em muitos casos tendo colocado seus quadros e outros valores a cargo das autoridades do museu. Varsóvia tem sido tão frequentemente ocupada por tropas estrangeiras que o evento em si não causa nem o entusiasmo nem o alarme que seriam produzidos em uma cidade menos experiente”.

Por acaso, os piores temores de D’Abernon acabaram não se concretizando. Quando o inimigo vermelho estava pronto para desferir o golpe final, o Exército Polaco se transformou em uma manobra de ousada complexidade. Divisões exaustas foram retiradas da linha e transferidas para novas posições, a um, dois ou mesmo quatrocentos e oitenta e três quilômetros de distância. Uma força de assalto foi montada às pressas ao Sul do rio Wieprz.

Os polacos diante do excessivamente confiante Tukhachevsky não pressionaram aquela vantagem até 13 de agosto. Então, para surpresa do russo, as frágeis defesas de Varsóvia se transformaram. Embora o cerco de arame tenha sido perfurado pela primeira onda de entusiasmo em Radzymin, o ataque inicial à cabeça de ponte do rio Vístula foi repelido. A principal Força Soviética foi contida no Norte pelas habilidosas operações do Quinto Exército de Sikorski, em Wkra.

Em 16 de agosto, para consternação de Tukhachevsky, a força de assalto polaca cortou sua retaguarda, fechando todas as linhas de comunicação. Totalmente confuso, em 18 de agosto, o comandante russo percebeu que todo o seu exército estava cercado. A derrota soviética era completa. Cem mil russos foram feitos prisioneiros. Quarenta mil fugiram para a Prússia Oriental. Três exércitos soviéticos foram aniquilados. O resto lutou indo para o Leste em total desordem.

Esta foi a verdadeira batalha que ficaria reconhecida como o “Milagre do Vístula”.

Nas semanas seguintes, Piłsudski obteve sucesso após sucesso.

Em Komarów, perto de Zamość, em 31 de agosto, o Exército de Cavalaria do russo Budyonny foi pego com as mãos nos bolsos e quase foi aprisionado. As cargas e contra-ataques da cavalaria polaca e soviética, naquele dia, foram reivindicadas como a última grande batalha de cavalaria da história europeia. O jornalista Izaak Babel que cobria a retaguarda dos cossacos vermelhos de Budionny escreveu como os russos foram expulsos da Polônia na direção de onde tinham vindo:

“Chegamos a Sitanets pela manhã. Eu estava com Volkov, o intendente. Ele encontrou uma cabana nos arredores da aldeia. “Vinho”, disse à velha, “Vinho, carne e pão ”. “Não há nenhum aqui”, disse ela, “e não me lembro da época em que havia.”. Com isso, tirei alguns fósforos do bolso e coloquei fogo nos juncos do chão. As chamas arderam. A velha rolou no fogo e apagou. “O que está fazendo, senhor”, gritou ela, recuando de horror. “Vou queimar você, velha bruxa”. Eu rosnei, “junto com aquele seu caldo que você obviamente roubou”. “Espere”, ela disse. Ela correu para a passagem e trouxe uma jarra de leite e um pouco de pão. Não tínhamos comido metade dele quando as balas começaram a voar lá fora. Volkov foi ver o que estava acontecendo. “Selei o seu cavalo”, disse ele; “O meu foi baleado. Os polacos estão montando um posto de metralhadora a apenas cem passos de distância ”. Restava apenas um cavalo para nós dois. Subi na sela e Volkov agarrou-se atrás. “Perdemos a campanha”, murmurou Volkov. “Sim”, respondi.”

Bedyonny foi obrigado a se aposentar definitivamente.

No rio Niemen, no Norte, Tukhachevsky recebeu outra lição em táticas móveis. No final de setembro, o Exército Vermelho começou a se desintegrar. Motins eclodiram nas cidades-guarnição da Bielorrússia, tropas desordenadas e desertores corriam furiosamente entre os polacos de origem judaica e camponeses do campo. Os polacos pareciam prontos para marchar sobre Moscou sem nenhuma oposição.

De repente, Lenin pediu a paz.

Todas as maquinações anteriores foram abandonadas. Os polacos receberam a quantidade de território que eles desejavam ocupar nas fronteiras, com a condição de que o conflito fosse interrompido em dez dias.

Num compromisso que Piłsudski iria denunciar como “um ato de covardia”, o negociador polaco nas negociações de paz, Jan Dabski (1880-1931) fez a histórica barganha com seu homólogo soviético Adolf Loffe.

O armistício foi assinado em 12 de outubro e entrou em vigor no dia 18. Depois de muita discussão, os termos finais foram acordados e confirmados pelo Tratado de Riga, em 18 de março de 1921.

A importância da vitória polaca, em 1920, não foi compreendida pelos contemporâneos. Na Europa Ocidental, os sentimentos de muitas pessoas que soltaram um suspiro de alívio, na época, foram resumidos pelo Embaixador britânico em Berlim, Lord D’Abernon, em tons gibbonianos:

“Se Charles Martel não tivesse impedido a conquista sarracena na Batalha de Tours, a interpretação do Alcorão agora seria ensinada nas escolas de Oxford, e seus alunos poderiam demonstrar a um povo circuncisado a santidade e a verdade da revelação de Maomé. Se Piłsudski e Weygand não tivesse conseguido deter o avanço triunfante do Exército Soviético na Batalha de Varsóvia, não apenas o Cristianismo teria experimentado um reverso perigoso, mas a própria existência da civilização ocidental estaria em perigo. A Batalha de Tours salvou nossos ancestrais do Jugo do Alcorão; é provável que a Batalha de Varsóvia salvou a Europa Central e partes da Europa Ocidental de um perigo mais subversivo - a fanática tirania Soviética ”.

Do lado soviético, Lenin logo reconheceu a magnitude da derrota. Em conversa com a comunista alemã Clara Zetkin, ele admitiu abertamente seus erros:

A geada precoce da retirada do Exército Vermelho da Polônia arruinou o crescimento da flor revolucionária ... Eu descrevi a Lenin como isso afetou a vanguarda revolucionária da classe trabalhadora alemã ... quando os camaradas com a estrela soviética em seus bonés, em armaduras impossivelmente velhas de uniforme e roupas civis em sapatilhas e botas rasgadas, esporeou seus pequenos cavalos vigorosos até a fronteira alemã ... Lenin ficou sentado em silêncio por alguns minutos, mergulhado em reflexão. “Sim”, disse ele por fim, “então aconteceu na Polônia como talvez tivesse que acontecer ... No Exército Vermelho, os polacos não viam irmãos e libertadores, mas inimigos. Os polacos pensavam e agiam não como socialistas revolucionários, mas como nacionalistas, como imperialistas. O ato revolucionário com que contávamos na Polônia não aconteceu. Os trabalhadores e os camponeses defenderam seu inimigo de classe e deixaram nossos bravos soldados do Exército Vermelho morrerem de fome, os emboscaram e os espancaram até a morte ... Radek previu como isso iria acabar. Ele nos avisou. Fiquei muito zangado e acusei-o de derrotismo ... Mas ele estava certo em sua contenção de homem ... Não, a ideia de agonia de outra guerra de inverno seria insuportável. Tínhamos que fazer as pazes.”

Em nenhum desses conflitos iniciais as potências aliadas exerceram a autoridade que afirmavam ser deles. Seus esforços para arbitrar por meio de pregação distante foram desprezados por todas as partes envolvidas. Suas numerosas comissões e contingentes militares simbólicos eram impotentes para impor suas soluções preferidas. Dos três plebiscitos que tentaram organizar na Prússia Oriental, Silésia e Cieszyn, as duas primeiras foram disputadas e a última abandonada.

Durante a guerra polaco-soviética, seus escritórios foram rejeitados por ambos os lados, apesar das negociações contínuas. O general Weygand, quando chegou a Varsóvia, na crise de agosto de 1920, sem ser convidado, foi abertamente ignorado e não desempenhou nenhum papel significativo na surpreendente vitória polaca.

General Weigand

Para muitos, inclusive gente de esquerda, a conquista da Polônia foi a vitória do fascismo sobre o comunismo. Longe disto, soubessem que o significado da palavra vai muito além do gentílico, entenderiam que polaco é o mesmo que católico apostólico romano e patriota. Quando Lenin disse a Zetkin que os trabalhadores e camponeses polacos viam os russos como inimigos, ele certamente desconhecia esta acepção da palavra polaco. Ainda mais que o inimigo era ateu, ou ortodoxo. Não havia modo do polaco entender que o russo era tão trabalhador e camponês como ele. Simplesmente era o inimigo ateu e monárquico que o torturou por longos 123 anos.

De resto, até hoje, o Ocidente não entende o que é a Polônia e o que significou a vitória na batalha “milagrosa” do Vistula. Com um exército muito menor, os polacos expulsaram os russos das suas terras, não importando se eram bolcheviques, vermelhos ou brancos. Para os polacos eles eram os inimigos que por mais de século os trataram como escravos.


Texto: Ulisses Iarochinski