Andrzej Wajda na foto de Donat Brykczyński A revista semanal Polityka, a única de inclinação esquerdista entre os grandes veículos de comunicação da Polônia, traz esta semana, uma longa entrevista com o cineasta Andrzej Wajda (pronuncia-se andjei váida). Na conversa com o jornalista Wawrzyniec Smoczyński, o diretor do filme "Katyń", pede aos seus compatriotas que não vivam no faz de conta. "Não podemos viver uma ficção. A catástrofe misturou tudo, todos compartilharam o funeral. Isto não é novidade. Já sobrevivemos ao governo de Jarosław Kaczyński, que é o demônio do conflito".
Quando a Polônia chorava os mortos do desastre aéreo de Smoleński, Wajda, que teve seu pai assassinado pelo exército vermelho, na Floresta da pequena Katyń, com outros 20 mil oficiais polacos, na segunda guerra mundial, publicou uma carta, no jornal Gazeta Wyborcza, contrária ao enterro do casal Kaczyński (pronuncia-se cátchinsqui... e não cac zinsqui) no panteão real da Catedral do Castelo de Wawel, em Cracóvia.
A posição do cineasta encontrou uma nação dividida em duas. Uns a favor de que um simples plebeu - por mais que tenha sido terrível a sua morte - jaz para sempre ao lado de nobres e heróis da Pátria. Já os que ficaram contra, manifestaram-se em frente a Cúria Metropolita de Cracóvia, da prefeitura das cidades do país e dos edifícios do Congresso Nacional e do Palácio Presidencial. "Este enterro no Wawel é um absurdo", bradavam em voz alta e cartazes.
Entre os que ficaram contra a posição do cineasta Wajda, verdadeiro ícone do cinema mundial e autoridade cultural da Polônia, está o médico que lhe atendia a domicílio. "No dia seguinte a publicação da carta (ler post aqui no blog), o médico que está me tratando, a pedido de minha mulher, respondeu que não tinha tempo para me examinar. Quando minha esposa pediu se podia então, atender no dia seguinte, ele disse: - Amanhã eu não tenho tempo. Sugiro que você procure qualquer outro médico. - Isso confirmou nossos temores de que a divisão da sociedade é inevitável."
Smoczyński: Divisão em que grupos?
Wajda: Naqueles que querem usar a imaginação patriota do povo de todas as formas aceitáveis e inaceitáveis de emoção. Estimulando artificialmente o sentido de patriotismo das pessoas e outros que insistem na verdade dos fatos.
Smoczyński: Segundo o senhor, de onde sai essa divisão?
Wajda: O desastre do avião foi lido como uma catástrofe polaca. Pior! Um dos bispos em sua bondade cristã, disse que já que teríamos que passar por esta catástrofe, melhor seria que o avião devesse ter caído em 07 de abril, quando, quem estava à bordo era o primeiro-ministro.
Smoczyński: E como as pessoas reagiram ao discurso do governo?
Wajda: Onde não podemos aparecer, todos nos dão sinais de que estão conosco. Dão sinais, eventualmente de forma irefletida, manifestam sua aprovação em voz muito baixa. Mas ninguém chora na rua.
Smoczyński: Por quê?
Wajda: Aparentemente, as pessoas pensam que, neste caso, não precisam falar alto. Mas um monte de pessoas desconhecidas para mim, dam-me a entender, que essa escolha é necessária. Isso seria ruim se a nossa voz na "Gazeta Wyborcza" não tivesse aparecido. Só que esse poder não tem nada a ver com o que está na nossa televisão todos os dias. Isto é parte de um todo maior.
Smoczyński: Políticagem?
Wajda: O enterro no Wawel foi o início da campanha eleitoral. Desculpe, mas isto tem sido entendido assim por uma grande parte da nossa sociedade.
Smoczyński: Mas o senhor acha que isto foi planejado? Não é maquiavelismo demais?
Wajda: Bem, isso pode ter tido outro motivo? A força desses símbolos são decisivos na Polônia, esta consciência está em nós antes de todas as outras coisas.
Smoczyński: Vamos voltar as manifestações de solidariedade que o senhor recebeu. Esperavas outra reação?
Wajda: Não. Nós só esperávamos que nossa declaração fosse discutida. Em nossa ingenuidade, pensávamos que o Bem não é propriedade de um único decididor.
Smoczyński: O que o governo pode falar sobre isso?
Wajda: Pareceu-me que alguém do governo quisesse falar. Não gostaria de pensar sobre meus queridos compatriotas, que eles se amedrontaram. Pensei que poderia ser uma tentativa de tomar outra forma de decisão, mas com a participação de outra pessoa ainda. Não acho que aquela decisão de enterrar no Wawel tivesse que ser resolvida em um dia apenas.
Smoczyński: Foi dito que a escolha foi toda da família do presidente Lech Kaczyński (pronuncia-se lérrh e não lék e tampouco léxi).
Wajda: Há muitas famílias na Polônia, desejando que os seus parentes nobres sejam enterrados com os reis da Polônia. Mas este não é o motivo.
Smoczyński: A declaração do governo sinalizou que o enterro do Wawel dividiria os polacos. Ele compartiu, ou apenas revelou diferenças nas atitudes existentes há décadas?
Wajda: A catástrofe misturou tudo, todos compartilharam o funeral. Isto não é novidade. Já sobrevivemos ao governo de Jarosław Kaczyński, que é o demônio do conflito. Então! Mas se alguém não tem nenhum programa moderno para o país, que vá além do ideológico, essa pessoa só consegue desenvolver suas ações políticas quando há conflito. Esta necessidade contínua de desautorizar nosso trabalho, o que nós fazemos, o que podemos fazer por este país... é apenas para criar uma situação ambígua. Isto é o que faz a televisão pública, o IPN, o acordo conjunto dos jornais. Será que o país pode viver como na ficção?
Smoczyński: Mas Jarosław Kaczyński foi deposto do poder de governar quando era primeiro-ministro. Os eleitores rejeitaram sua política de conflito. Em vez disso, ele surpreende com esta volta ultraconservadora tradicional. É possível que isso seja uma apenas uma corda vocal da alma polaca?
Wajda: Deus me livre, se isso acontecer. Porque isso significaria que os polacos querem algo, que eu não sei o quê. Estão insatisfeitos. Tem-se a impressão que os descontentes são principalmente aqueles que são uma pequena parte do que o país é hoje e no que realmente está acontecendo. A parte infeliz das pretensões em curso não oferecem uma única alternativa para qualquer das áreas, a não ser uma exceção, ou seja, converter a história polaca na nova história política do país.
Smoczyński: Katyń também não é hoje uma vítima da história política? Não é assim que, a falsa defesa da República Popular da Polônia (Polônia comunista), a qual já na Polônia livre continuou sendo falsificada, na onda do desastres em Smoleński, transformou-a em dimensão mitológica?
Wajda: Mas se há um furo, como se pode medir isso? Por que por 70 anos a memória deste evento não desapareceu? Por duas razões: em primeiro lugar, nunca se tinha assassinado em massa prisioneiros de guerra. Assim como nós aprendemos que as pessoas podem fazer sabão, nós também aprendemos que elas podem ser colocadas numa câmara de gás. Assim, de repente, esta guerra tem nos mostrado que você pode matar milhares de prisioneiros, embora não ameaçe ninguém e, além disso, a maioria deles não são os agentes profissionais. Portanto, não é um crime ocorrido no serviço militar, é um crime contra a intelligentsia polaca. E se assim for, você tem a resposta para a pergunta de por que essa memória sobrevive por tanto tempo. Devido a essas casas intelectuais, as mentes dos intelectuais, os intelectuais, pertencentes a famílias é que a memória tem sido firmemente estabelecida. E isso não serve a qualquer propósito imediato ...
Smoczyński: Hoje não serve? Isto não é instrumentalizar?
Wajda: É isso aí mesmo! Instrumentaliza-a um determinado grupo de políticos, porque buscam conflito em cada campo. E isto porque os polacos têm um legado da União Soviética, e Katyń não foi completamente esclarecida, é fácil jogar com os ressentimentos, e os políticos fazem ilações justamente com essas emoções. Não foi o PiS (Partido Lei e Justiça de Lech Kaczyński) que ratificou Katyń. Memorizaram-na as famílias vítimas de Katyń. Certamente, mais do que gente do PiS, morreu um homem naquele avião, que é Andrzej Przewoźnik. Mas isto não é o PiS, apenas ele construiu um cemitério na Rússia.
Smoczyński: Hoje diz-se que Smoleński é vítima de sua descoberta sobre a verdade de Katyń.
Wajda: Vou dizer de maneira diferente, na minha opinião, o que poderia se tornar positivo entre polacos e a Rússia sobre Katyń, ocorreu em 07 de abril durante a visita do nosso primeiro-ministro. Tusk e Putin disseram que, sob aquela situação, o que poderia ser dito, porque penso que da verdade se vai a uma outra longa estrada, do que possamos pensar. Mas isso faz parte de um todo maior. O primeiro documento quem deu foi o general Jaruzelski a Gorbachev. Esta carta, que serviu de base para o conhecimento do assassinato dos oficiais polacos. Em seguida, documentos foram enviados pelo presidente Yeltsin. Em seguida, foi dada por uma comissão formada - a melhor prova de que estes cemitérios existiam. É impossível não reconhecer estes fatos, não reconhecer o mérito dessas pessoas que forçaram as diferentes etapas do esclarecimento histórico sobre Katyń.
É claro, que o ambiente na Rússia era forte, muito influente, e que poderia parar todo este processo em 2005, quando escrevi ao procurador da Rússia pedindo em que lei, em que pontos, meu pai, o Capitão Jakub Wajda, foi privado de sua vida em 1940. Recebi resposta em que não se podia, dar-me uma explicação satisfatória, porque não estavam de posse da mala do meu pai. Esta não é a resposta para dizer apenas um definitivo "não". Davam com isso a entender que cada um dos oficiais polacos foi baleado por motivo diverso, que supostamente estaria guardados na mala. E esta é a mentira óbvia, porque todos morreram sob a pena de uma mesma assinatura, a de Józef Stalin, em uma carta, a qual Beria preparou para o Politburo em 1940.
Smoczyński: Por que Andrzej Wajda, filho de um oficial que foi morto em Katyń, foi nas comemorações junto com os representantes das famílias vítimas de Katyń com o primeiro-ministro e não com o presidente da República?
Wajda: Porque eu apoio a política do primeiro-ministro Tusk, e não apóio a política do presidente Kaczyński. O gabinete do primeiro-ministro me perguntou se eu iria com ele, em 7 de Abril, até Katyń. Eu respondi que sim, achava, como acho, que este era um passo em direção a um acordo com a Rússia. Além disso, voaram conosco representantes das famílias de Katyń e seu presidente Andrzej Skąpski, que mais tarde voaria, pela segunda vez, com o presidente Kaczyński para morrer.
Smoczyński: O que você acha do slogan "Katyń 1940-2010"?
Wajda: Isto é coisa inadmissível: um acidente de avião pode acontecer a qualquer hora, em qualquer lugar e em cada país, ficou relacionada ao objetivo concreto desta viagem. Imagine que um avião voasse para o 600.º aniversário da Batalha de Grunwald. Um caso semelhante ocorresse e, portanto, a comunicação social informaria que o piloto foi morto junto a Grunwald. A relação sobre este desastre seria um absoluto crime de abuso. Eu entendo que os autores dessas informações, impliquem que a catástrofe foi um desastre.
Smoczyński: Sem a memória das vítimas, dos crimes, é possível hoje construir um patriota polaco?
Wajda: Alguns pensam que o patriotismo é um compromisso com o passado, muitas vezes de forma indiscriminada. Que foram enganados, portanto, que algo deveria ser feito, porque nós mesmos nunca foram culpados do que aconteceu. A Polônia não desapareceu do mapa, porque os nobres ganharam mais direitos e menos responsabilidades ... por isso estamos constantemente a fazer outras reivindicações ao patriotismo e à necessidade de confirmar a crença de que a razão está do nosso lado.
Sob o período do comunismo, o que era o nosso patriotismo? Então... nós queremos pertencer à Europa, porque nós pensamos que o prejuízo que nós conhecemos em 1945, consistiu no fato de que nós nos tornamos um país diferente, um sistema diferente, uma realidade diferente. Nós fomos co-criadores da nossa vitória junto com os Aliados ocidentais, que até então não permitiam isso, que participássemos do desfile da vitória. Por que nós tentamos conseguir um passaporte e sair para o Ocidente para ver como ele enxerha as coisas, como as pessoas de lá vivem? Porque esse foi um projeto nosso, não de Moscou.
Smoczyński: Ok, mas hoje este projeto patriótico- europeização e modernização - já foi amplamente conseguido. Hoje, ante o europeísmo, o atual premier apresenta o túmulo do patriotismo.
Wajda: Tenho esperança, que sob este aspecto, apresente-se pela última vez.