terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Sobre Gaza

Escrito por José Saramago
e outros intelectuais



Não é uma guerra, não há exércitos se enfrentando. É uma matança.
Não é uma represália, não são os foguetes artesanais que voltaram a cair sobre o território israelense, mas uma campanha eleitoral que desencadeou o ataque.
Não é uma resposta ao fim de uma trégua, porque durante o tempo em que a trégua estava vigente, o exército israelense endureceu ainda mais o bloqueio sobre Gaza e não deixou de levar adiante mortíferas operações com a cínica justificativa de que seu objetivo era atingir membros do Hamas. Por acaso ser membro do Hamas tira a condição humana de um corpo desmembrado pelo impacto de um míssil e o suposto assassinato seletivo da condição de assassinato?
Não é uma violência que fugiu ao controle. É uma ofensiva planificada e anunciada pela potência invasora. Um passo a mais na estratégia de aniquilação da resistência da população palestina, submetida ao inferno cotidiano da ocupação da Cisjordânia e Gaza, assediada pela fome e cujo último episódio é esta carnificina que neste dias ocupa nossos televisores em meio a mensagens amáveis e festivas de ano novo.
Não é um fracasso da diplomacia internacional. É mais uma prova da cumplicidade com Israel. E não se trata somente dos Estados Unidos, que não é referência moral e nem política, mas sim parte de Israel neste conflito; trata-se da Europa, da decepcionante debilidade, ambigüidade e hipocrisia da diplomacia européia.
O mais escandaloso que se passa em Gaza é que tudo isto pode passar sem que nada de mais aconteça. Não se questiona a impunidade de Israel. A violação continuada das leis internacionais, dos termos da Convenção de Genebra e das normas mínimas de humanidade não têm conseqüências.
Mas, muito pelo contrário, tudo indica que se premia Israel, com acordos comerciais, como propostas para a sua entrada na OCSE, e que desta imoralidade resultam frases de alguns políticos dividindo as responsabilidades igualmente entre as partes, entre ocupante e ocupado, entre quem agride e quem é agredido, entre o carrasco e a vítima. Como é indecente esta pretendida eqüidistância, que equipara o oprimido com o opressor. Esta linguagem não é inocente. As palavras não matam, porém ajudam a justificar os crimes e a cometê-los.
Em Gaza está se cometendo um crime. E há tempos está sendo cometido ante os olhos do mundo. E ninguém poderá dizer, como em outros tempos se disse na Europa, que não sabíamos.


José Saramago, Laura Restrepo, Teresa Aranguren, Belén Gopegui, e outros.

Acreditando que a poesia ainda consegue ser lida, ouvida e entendida, Jorge Luiz Borges, o grande poeta argentino, escreveu um belo poema por ocasião da guerra das Malvinas. Fala de dois jovens, o argentino Juan López e o inglês John Ward, arrastados para a morte por “próceres de bronze”. Diante da brutalidade que se abate sobre a terra prometida, vale recitá-lo:

“Tocou-lhes por azar uma época estranha.
O planeta havia sido dividido em distintos países, cada um dotado de lealdades, de queridas memórias, de um passado sem dúvida heróico, de direitos, de agravos, de uma mitologia singular, de próceres de bronze, de aniversários, de demagogos e de símbolos. Essa divisão, cara aos cartógrafos, propiciava guerras.
López nascera na cidade junto ao rio imóvel; Ward, nos arredores da cidade por onde andou Father Brown. Havia estudado castelhano para ler o Dom Quixote.
O outro professava a paixão por Conrad, que lhe havia sido revelado em uma aula na rua Viamonte.
Teriam sido amigos, mas só se viram uma vez, cara a cara, em umas ilhas por demais famosas, e cada um dos dois foi Caim, e cada um, Abel.
Foram enterrados juntos. A neve a corrupção os conhecem.
O caso que lhes conto ocorreu num tempo que não podemos entender”.

Um comentário:

Anônimo disse...

ESTADO PALESTINO
Eu sou favorável à existência de um estado palestino. Defendo dois estados na região. E sou contrário à expansão dos assentamentos na Cisjordânia — que é o que promete o Likud se vencer as eleições.
Ehud Barak, primeiro-ministro de Israel, e Yasser Arafat, então líder da Autoridade Nacional Palestina (ANP), fizeram a pergunta certa em 2000 e encontraram a resposta certa.

A pergunta: “O que é preciso para que haja dois estados?
A resposta: “que os palestinos ponham fim ao terror e que Israel devolva os territórios ocupados”. Quase se chegou lá, não fosse o recuo de Arafat, que fez exigências que Barak não tinha como garantir sem que fosse deposto do governo de Israel. Mesmo sem acordo, ele caiu.
Como bem lembra Thomas L. Friedman no New York Times, enquanto houver o risco de um Hamas (CELERADOS) governar a Cisjordânia e, aí sim, causar graves danos a Israel com seus foguetes, não haverá a desocupação da Cisjordânia. É uma ilusão estúpida cobrar que os israelenses reconheçam o Hamas porque ele venceu as eleições. Isso não torna o movimento legítimo ou aceitável aos olhos daquele que os sectários querem destruir.
Evidente que a existência de dois estados passa por Israel deixar a Cisjordânia e pelo fim dos assentamentos — não apenas pela interrupção de sua expansão. Não é tarefa fácil, não. Poderia assumir a proporção de uma pequena guerra civil. A saída total de Gaza já foi traumática. Não se fará da noite para o dia, de uma vez só. Será necessário um longo período de negociação e de construção da confiança, mas os judeus farão.
Mas essa construção é política. Enquanto o Hamas não renunciar ao terrorismo (“foguetes artesanais cedidos pelas nações mais democráticas do Oriente - Médio: Irã e Síria), nada feito.
Vocês sabem: as divergências entre Hamas e Fatah se resolvem com balas e execuções sumárias. As divergências entre os israelenses se resolvem com eleições (muitos gostariam que Israel fosse idêntico as nações democráticas do Oriente - Médio).
O nefelibatismo jornalístico acredita que as limitações da realidade sabotam as chances de paz. Eu acredito que a realidade é a melhor saída.
O problema tem uma linha, tem um inicio : o fim do terrorismo. INCONDICIONALMENTE. E, então, se pode avançar.