Em 30 de março de 2008, Adam Michnik, fundador do jornal diário "Gazeta Wyborcza", concedeu entrevista ao jornal francês "Le Monde" sobre os acontecimentos em 1968, na Polônia.
No mesmo momento em que o mundo ocidental era varrido pela revolta estudantil, na Europa Central aconteciam dois movimentos também importantes na esfera mundial, que foram a "Primavera de Praga", na então Tchecoslováquia e o Expurgo do Judeus da Polônia.
O estopim para as autoridades polacas começarem a expulsar os judeus ocorreu naquele 8 de março quando os policiais entraram em conflito com os estudantes, que protestavam diante da estátua de Adam Mickiewicz, em Varsóvia contra a censura a peça de sua autoria, "Os avós".
A alegação dos censores era de que a peça era um manifesto contra a Rússia.
Os líderes estudantis foram expulsos da universidade. Isso, deu início a uma série de manifestações e repressões que se estenderam a outros centros e cidades.
Os manifestantes foram dispersados com violência. Muitos foram detidos. A contestação tomou conta da Escola Politécnica de Varsóvia e das Universidades de Cracóvia e de Wrocław.
"A revolta espontânea dos estudantes foi para o chefe do Partido Comunista polaco na época, Wladysław Gomułka, um bom pretexto para se impor aos seus rivais na disputa pelo poder", considera o historiador Dariusz Stola.
"Criticado por sua tendência autoritária por militantes comunistas de origens judaicas e intelectuais, Gomułka teve a chance de desacreditá-los, já que um bom número de líderes da revolta estudantil eram filhos ou filhas de intelectuais judeus comunistas", como Adam Michnik.
Segundo Stola, "Gomulka tinha muito medo de que a Polônia fosse 'contaminada' pelas reformas tchecoslovacas da Primavera de Praga", esmagada pelos tanques russos do Pacto de Varsóvia, em agosto de 1968.
Com a ajuda da polícia política e dos radicais do partido, o chefe do PC polaco, Gomułka, deu início à caça ao "judeu comunista". Aproximadamente 20 mil pessoas foram obrigadas a abandonar o país e 13.500 delas perderam a nacionalidade entre 1968 e 1970, segundo documentos encontrados nos arquivos do Estado.
"Não tenho sentimento algum de nostalgia por meu país natal", afirma Nelly Plotzker, 62 anos, que fugiu da Polônia em 1968 para viver em Israel. "Vimos que era preciso partir e fizemos o que as autoridades nos fizeram fazer", conta a polaca-israelense.
Małgorzata Melchior, 57 anos, decidiu em 1968 permanecer na Polônia. "Meu irmão mais velho decidiu emigrar para a Suécia. Nosso pai queria sair também, mas eu, uma estudante de 17 anos, não queria ouvir falar disso", diz ela.
Um grupo de intelectuais polacos, dentre os quais o cineasta Andrzej Wajda e o Prêmio Nobel de literatura Wisława Szymborska (falecida), fizeram um apelo ao então presidente Lech Kaczyński para pedir uma restituição automática da nacionalidade polaca aos judeus obrigados a emigrar em 1968.
"Entre os crimes comunistas, a infâmia de março de 1968 permanece como um evento que pesa particularmente sobre a consciência polaca", escreveram os signatários do apelo.
Em março de 2008, o ministro do Interior, Grzegorz Schetyna, passou a expedir certificados de nacionalidade polaca às pessoas (na sua maioria polacos de origem judaica) que a perderam em 1968.
Muitos cidadãos israelenses, por esta lei, já foram contemplados nos primeiros meses após a promulgação da Lei, com a cidadania polaca. Grande parte deles, não por um sentimento de carinho pela Polônia, mas porque a cidadania é extensiva a toda a União Europeia.
Em muitos destes, que readquiriram a cidadania polaca, o antipolonismo é latente e exagerado. Alegam que fazem o reconhecimento da cidadania, pela possibilidade de livre acesso à União Europeia e alardeiam que a Polônia é antissemita.
De alguma forma eles tem suas razões, pois este antissemitismo é cultivado e disseminado pela emissora católica conservadora, Radio Maryja e principalmente pelo seu fundador Padre Tadeusz Rydzyk, além de suas televisões à cabo, como o canal "Trwam" e outros jornais que representam os setores ultranacionalistas.
Um herói do célebre sindicato Solidariedade e fundador do jornal diário "Gazeta Wyborcza", Adam Michnik comenta, em entrevista ao "Le Monde", sobre os eventos que marcaram o movimento estudantil de 1968, na Polônia e suas consequências nas décadas seguintes, as quais acabariam por derrubar a União Soviética, à partir dos estaleiros de Gdańsk.
Apesar de ter sido ele mesmo vítima dos acontecimentos de março de 1968 na Polônia, Adam Michnik foi "esquecido" por ocasião da cerimônia oficial comemorativa, em 8 de março de 2008, realizada na presença do presidente conservador Lech Kaczyński (falecido na tragédia de Smoleński), ele mesmo, um primo distante de Michnik, como pode-se ler no final desta entrevista.
Entrevista
Le Monde - Na Polônia, o movimento de estudantes e de intelectuais, que nasceu a partir da suspensão das apresentações da peça "Os Avôs", de Adam Mickiewicz (1798-1855, poeta e escritor polaco) no Teatro Nacional de Varsóvia foi utilizado como pretexto pelo poder comunista para deslanchar a sua vasta campanha antissemita...
Adam Michnik - Aquela era uma campanha contra os intelectuais e contra as liberdades. Na História, não existem apenas lutas vitoriosas. O mês de março de 1968, viu a vitória de uma política extremamente chauvinista, xenófoba e autoritária, além da nossa derrota. Uma verdadeira derrota. Três semanas depois de ter sido iniciado, o nosso movimento foi liquidado pela máquina policial. A maioria dos líderes do movimento acabou sendo encarcerada. Foi uma campanha brutal, que também resultou nos processos e nas expulsões de professores e de estudantes.
O levante de 1968 também foi o primeiro movimento de massa contra a ditadura. Este movimento, que foi fomentado pela nova geração, aquela que nascera na Polônia comunista, teve continuidade alguns anos depois. A tradição da jovem democracia polaca havia nascido.
Le Monde - Devemos concluir então que em 1968, a sua geração abriu caminho rumo à liberdade? Aquele que a conduziria aos protestos operários de Gdansk, à criação do Comitê de Defesa dos Operários (KOR), e depois ao sindicato Solidariedade?
Adam Michnik - O KOR, e mais tarde o Solidariedade, constituíam uma ampla confederação, que por sua vez tinha origem em inúmeras fontes. O movimento de 1968 era uma delas, mas não a única.
Le Monde - Por que os movimentos de protesto polacos, que estavam germinando havia meses, encontraram a sua expressão em 1968?
Adam Michnik - Estes são os segredos da situação revolucionária! Na Polônia, a inspiração tchecoslovaca certamente exerceu a sua influência sobre o movimento. Em março de 1968, os estudantes tinham como slogan "Toda a Polônia aguarda seu Dubcek" (Alexander Dubcek, 1921-1992, antigo líder do Partido Comunista da Tchecoslováquia, iniciou as reformas da "Primavera de Praga" em 1968). Se a evolução democrática era possível em Praga e em Bratislava (capital da Eslováquia, então parte da Tchecoslováquia), por que não em Varsóvia?
Mas o movimento polaco foi também, para nós, uma surpresa. Ninguém havia imaginado que o ato de protesto contra o cancelamento da temporada de "Os Avôs", no Teatro Nacional em Varsóvia, em janeiro, seria o ponto de partida de um vasto movimento estudantil. Proibir apresentações de uma peça de Mickiewicz, que é para os polacos o que é Victor Hugo para os franceses, era intolerável. Os nossos protestos foram fortalecidos e repercutidos pela revolta de grandes escritores, entre os mais conhecidos e os mais respeitados na Polônia - Andrzejewski, Sloniński, Kolakowski. No início de março, o governo decidiu expulsar vários estudantes, entre os quais, eu, estava incluído. Aquele foi um momento decisivo. Como resposta, nós organizamos um grande comício no campus da universidade de Varsóvia. Mas ninguém havia imaginado que o dia 8 de março seria o primeiro dia de um grande movimento que se disseminaria por várias universidades na Polônia.
Le Monde - O que o senhor tinha em mente, naquela sexta-feira, 8 de março de 1968, aos 21 anos, no pátio da Universidade de Varsóvia, diante dos inúmeros estudantes que estavam reunidos naquele ato de protesto contra a sua exclusão?
Adam Michnik - Eu me opunha à ditadura, é claro. Para os meus amigos e para mim, aquele era um ato de protesto em nome do socialismo democrático. Aquela era a língua universal da época, a da "Primavera de Praga", entre outras.
Adam Michnik - Eu me opunha à ditadura, é claro. Para os meus amigos e para mim, aquele era um ato de protesto em nome do socialismo democrático. Aquela era a língua universal da época, a da "Primavera de Praga", entre outras.
Le Monde - Na época, os movimentos de protesto que tomaram conta da Europa, do Leste ao Oeste, tiveram protagonistas da mesma geração. Apesar de lutarem por opções que, contudo, eram radicalmente opostas em 1968, teriam eles lutado em defesa dos mesmos valores?
Adam Michnik - Esses movimentos eram profundamente diferentes. Os slogans que eram clamados na Sorbonne ou em Berlim Oeste eram dirigidos contra o capitalismo, a sociedade de consumo, a democracia burguesa definida como uma pseudo-democracia, e, além disso, também contra os Estados Unidos e a guerra do Vietnã. Para nós, era uma luta em prol da liberdade na cultura, nas ciências, na memória histórica, em prol da democracia parlamentar, e, por fim, no que veio a ser visível, sobretudo, na Tchecoslováquia, contra o imperialismo soviético, não o americano.
Le Monde - Em 1968, a Polônia também foi o palco dos expurgos antissemitas orquestrados pelo general Moczar, que atingiu inicialmente os quadros do partido em nome de uma campanha antissionista, e depois provocou o êxodo de 15 mil polacos de origem judaica.
Adam Michnik - Por que Moczar e seus asseclas utilizaram a linguagem antissionista e antissemita? Em primeiro lugar, em função das suas convicções nacionalistas, chauvinistas, que também lhes permitiram alinhar-se com Moscou contra Israel. Segundo, porque isso lhes permitiu instaurar divisões entre os quadros do regime. Tradicionalmente, muitos apparatchiks (membros da hierarquia do partido comunista) tinham origens judaicas, e não apenas no aparelho do partido, como também nos hospitais e na universidade. E finalmente, porque eles se baseavam na tradição, forte na Polônia, do movimento nacionalista Endecja, cuja linguagem era o antissemitismo. Ao recorrer a esta linguagem, o poder comunista procurou fincar raízes na tradição polaca.
Le Monde - Foi preciso esperar por 20 anos, até 1988, para que o poder comunista polaco reconhecesse pela primeira vez o caráter antissemita dos eventos de 1968, ainda que livrando de toda responsabilidade os quadros do partido. Aquilo chegou a ser considerado como suficiente?
Adam Michnik - Foi inaceitável. Até o fim, a grande maioria dos "apparatchiks" permaneceu silenciosa em relação àqueles fatos. Atualmente, 40 anos depois, a situação está completamente mudada. Os pós-comunistas, em sua maioria, nos seus discursos públicos, são absolutamente contra o chauvinismo étnico. Eles utilizam a linguagem dos social-democratas ocidentais.
Paradoxalmente, o discurso antissemita populista migrou para a direita, não só com Roman Giertych e sua Liga das Famílias Polacas. Tendências antissemitas bastante fortes estão despontando nos meios de comunicação, tais como os jornais diários "Nasz Dziennik" (dirigido pelo Padre Rydzyk), "Nasza Polska", e, de vez em quando, até mesmo o "Rzeczposposlita", que aposta na ambivalência.
Ele nasceu em 17 de outubro de 1946, em Varsóvia, na Polônia. Filho de Ozjasz (Uzziah) Szechter, um comunista polaco judeu muito conhecido (Primeiro Secretário do Partido Comunista do Oeste da Ucrânia) e de Helena (Hinda) Michnik, escritora de livros infantis e uma comunista fervorosa. Adam Michnik se define a si mesmo como um polaco de origens judias.
Especialistas em genealogia afirmam que Michnik é um primo distante dos gêmeos Lech e Jarosław Kaczyński. Isto porque, pelo lado materno, Adam é neto de Hirsch Michnik, que juntamente com sua esposa Perła de Grünwaldów viviam com seus três filhos em Cracóvia, na ulica (rua) św. Sebastian, nr. 34, onde também vivia o bisavô de Adam Michnik, Selig Michnik, com a idade de 65 anos, um conhecido talmudista de Cracóvia.
Ainda pelo lado materno, Adam é bisneto de Hillel Schmeidler, que era irmão de Sarah e cujo marido tinha um irmão, Symche Wachtel, que por sua vez, era marido de Eidel Mendelsohn, cuja irmã, Chawa, era sogra de Julia Bergson.
Esta senhora por sua vez teve como primeiro marido, o pintor Aleksander Lesser conhecido irmão do nobre (magnata) Zygmunt Lesser, casado com a também nobre Laura Krasicka, viúva do magnata Edward Dunin-Borkowski.
Este por sua vez, era primo de Helena Wolski, esposa do general Jan Krukowiecki. A filha do general Krukowiecki, Bronisława Olszewska era irmã de Julia que é a trisavó (tataravó) de Lech (presidente da república falecido) e Jaroslaw Kaczyński (ex-primeiro-ministro e presidente do Partido PiS - Direito e Justiça (de extrema-direita).
Ainda pelo lado materno, Adam é bisneto de Hillel Schmeidler, que era irmão de Sarah e cujo marido tinha um irmão, Symche Wachtel, que por sua vez, era marido de Eidel Mendelsohn, cuja irmã, Chawa, era sogra de Julia Bergson.
Esta senhora por sua vez teve como primeiro marido, o pintor Aleksander Lesser conhecido irmão do nobre (magnata) Zygmunt Lesser, casado com a também nobre Laura Krasicka, viúva do magnata Edward Dunin-Borkowski.
Este por sua vez, era primo de Helena Wolski, esposa do general Jan Krukowiecki. A filha do general Krukowiecki, Bronisława Olszewska era irmã de Julia que é a trisavó (tataravó) de Lech (presidente da república falecido) e Jaroslaw Kaczyński (ex-primeiro-ministro e presidente do Partido PiS - Direito e Justiça (de extrema-direita).
Adam Michnik é o fundador e editor-chefe do principal jornal polaco da atualidade, o Gazeta Wyborcza, onde às vezes escreve sob o pseudônimo de Andrzej Zagozda ou Andrzej Jagodziński.
Adam foi um dos principais organizadores da oposição democrática ilegal na Polônia, nos anos 60, 70 e 80.
Historiador, ensaísta, jornalista político. Ele recebeu muitos prêmios, incluindo a distinção de Cavaleiro da Legião de Honra da Polônia.